Rio -  Ignoro se alguém já se deu ao trabalho de investigar a psicologia dos salões debarbearia. A conversa é sempre amena.
Não é nada fácil descobrir duas coisas em barbeiro: o time para o qual torce e a preferência partidária. Tomou assento o cabeludo, diga o que disser, e o profissional jamais o contestará.
Nunca vi quebrarem o pau numa barbearia por discordância política. Felizmente, considerando a profusão de navalhas e tesouras em volta! Futebol é a mesma coisa: o barbeiro quase sempre torce pelo time do cliente. “Você tem razão, o Corinthians se precipitou ao comprar o Pato.” “É, doutor, nós, santistas, ficaremos na pior no dia em que venderem o Neymar!”
Há outra dimensão, esta sim, prato cheio para os psicólogos. É a secreta motivação que leva muitos clientes à estofada cadeira móvel. Tive um vizinho que todas as manhãs entregava o rosto no salão da esquina. Perguntei-lhe se a preguiça o impedia de cuidar da barba. “Vou ao salão porque me faz bem o carinho do barbeiro. E não me leve a mal”, frisou. “Aquelas mãos suaves, a nuvem de creme suscitada pela dança do pincel, o perfume... Que mulher tem paciência de uma coisa dessa?”
Outro amigo, careca a reluzir, me confidenciou quando indaguei por que frequentava o salão toda semana: “Gosto de sentar na cadeira, percorrer os olhos em revistas antigas, escutar o leve ruído metálico da tesoura surpreendendo um fio aqui, outro ali, e, por fim, o espanador de pelos e o borrifar da água de colônia...”
É isso: muitos clientes mantêm fidelidade capilar a um barbeiro, como um cão a seu dono. Tudo porque barba e cabelo são as únicas coisas que, com frequência, mudam onde reside o centro de nossa identidade: no rosto. Uma brusca mudança num ou noutro causa sempre estranhamento.
Frei Betto é escritor, autor do romance ‘Minas do Ouro’