Em ano de copa do mundo no Brasil e no início de março, o desfile de 2014 reserva outra particularidade, que se reveste de justa efeméride: os dez anos da emergência de Paulo Barros como artista inovador de uma festa que pedia inovação. Desde que o carro do DNA da Unidos da Tijuca, em 2004, escancarou o código genético de um carnavalesco desconhecido do grande público e com gosto pela iconoclastia, o carnaval provou mais uma vez ser tão cíclico no calendário quanto nas polêmicas que provoca. E o enfileirou ao lado de predecessores que também amalgamaram, em proporção igual, amor e ódio, crítica destrutiva e elogios, inveja e admiração.

Escola de mestres
Na história do carnaval das escolas de samba, eles não foram muitos: Fernando Pamplona e Joãosinho Trinta. E, agora, Paulo Barros. Com estilos e personalidades diferentes, transformaram-se em chamarizes e atraíram os holofotes para escolas que, no tropical concerto do poder de Momo, tinham pouco poder de barganha. Viram suas inovações influenciar a estética dos desfiles – processo natural em se tratando de Pamplona e Joãosinho, porém cerebrino, problemático e complexo quando escorado em Paulo Barros.
A plástica barroca das escolas de samba, tributária  das transformações operadas no Salgueiro dos anos 60 e na Beija-Flor pós-1976, choca-se com a linguagem pop-contemporânea do carnavalesco da escola da Tijuca. Pamplona e Joãosinho retomaram uma tradição que remontava às grandes sociedades e aos ranchos do século XIX: luxo,acabamento decorativo, grandiosidade, sensação de transbordamento, intensidade expressiva, predominância da emoção, materialidade opulenta. A palavra “barroca”, aqui, antes de referir-se ao estilo individual de um artista, é tomada como conceito lato, uma tendência geral na qual se podem observar tais características.
Ponto fora da curva

Todos os carnavalescos trilharam este caminho, sem deixar de firmar estilo próprio. Paulo Barros, no entanto, é o ponto fora dessa curva. Podem-se listar três aspectos básicos de seu estilo:

Alegorias humanas – Nelas, os componentes não são destaques que complementam o visual e a mensagem alegórica, como nos carros tradicionais. Os componentes são o próprio carro, em constantes movimentos que, alternando construções imagéticas, encerram significados do enredo;
Elementos não carnavalizados – Carros que, sem a estilização carnavalesca, ou podem ser levados para a avenida em sua concretude, como se estivessem fora do desfile (a pista de gelo da Viradouro, em 2008, por exemplo); ou, aos olhos mais tradicionais, parecem carentes de acabamento (a rampa de descida dos super-heróis, em 2010); ou se assemelham a criações de arte contemporânea (o fusca preto de 2005).
Ícones da cultura de massa – Referência a elementos da indústria cultural: Michael Jackson, Priscila, a Rainha do Deserto, Playmobil - o que permite a fácil identificação do público.
Foto: André Mourão / Agência O Dia
Paulo Barros já ganhou dois títulos com a Tijuca | Foto: André Mourão / Agência O Dia
 Ele não foi o primeiro a usar um desses três itens em desfile: só para citar dois grandes carnavalescos, Renato Lage, com estética high tech (embora ele também saiba fazer, e muito bem, outros estilos, haja vista o deslumbrante “Candaces”, de 2007), e Fernando Pinto, tropicalista, utilizaram-se de ícones da cultura de massas e alegorias não carnavalizadas. Mas de maneira pontual, dentro do estilo de cada um, numa interseção com a linguagem barroca.
Já em Paulo Barros se tem, no lugar da interseção, uma antítese – convivência de opostos, porque ele não abandona por completo o referencial barroco, e isso causa a impressão de estancamento entre os setores do desfile. Daí que o estilo “paulobarreano”, de início, tenha sido visto como algo personalista, pela associação imediata com ele – mas isso não impediu que passasse a ser copiado, sutil ou escancaradamente, por outras escolas, do Rio e do Brasil, sobretudo as alegorias humanas, incluindo a própria Unidos da Tijuca, quando esta o deixou sair para a Viradouro.
O sucesso de público e de crítica de seus carnavais, premiados com dois campeonatos, transformou-o num pop star que ultrapassou os limites da Marquês de Sapucaí. É normal que, num evento tão apropriado pelo show business, ele passe a se tornar uma referência.
Cabe a discussão sobre a largura da estrada que ele abriu para as escolas trilhar: se estreita, como mera cópia maneirista, bem mais perceptível até agora; ou mais aberta, o que permitiria a incorporação de novos elementos que levem à inovação e à transformação da estética das escolas de samba. E, neste caso, como seria a relação com o referencial barroco – antítese ou interseção.

* Bruno Filippo é jornalista e sociólogo