Rio -  Com atraso de alguns meses, coloquei pra tocar no carro o ‘Victoria’, CD que Herbert Vianna lançou no ano passado. Difícil agora é apertar o stop no meio de qualquer uma das 20 faixas em que o cantor e compositor, com a habilidade e frieza de um cirurgião, corta e costura corações.
líder do Paralamas é o mais discreto entre os popstars do rock brasileiro. Daí, talvez, venha parte de minha identificação com ele. Herbert usa óculos, é meio sem jeito, era esnobado pelas meninas do Leblon. Mas a capa de timidez esconde uma crueza explicitada em versos como os que, em ‘Pense bem’, alertam para o risco de uma separação: “Se deixar morrer/ Nada traz o amor de volta”.
Intimista como se gravado num quarto atulhado de livros, discos e alguma memória praiana, o CD, aqui e ali, atinge o alvo crucial, o momento em que se constata o fim de uma história: “Pra começar/ Dizer que o amor chegou ao fim” (‘Pra terminar’). Em ‘Eu não sei nada de você’, o cara admite lutar “por algo que já não é meu”; na faixa seguinte (‘Junto ao mar’), chuta de vez o balde: “Estranho é o amor/ Quando já não está”.
A ênfase no tema faz lembrar Paulinho da Viola, mestre em detectar, no beijo que já não arde, “o reverso inevitável da paixão” (‘Quando bate uma saudade’). Arrisco dizer que Herbert adoraria assinar versos como “Nenhum sinal de emoção/ Não quero você assim” ou “Não quero sentir em tua boca/ Esse beijo frio é caso perdido”, presentes em ‘Não quero você assim’ e ‘Estamos noutra’ (esta, composta com Elton Medeiros).
Outro que parece se sentir pouco à vontade no papel de estrela, Paulinho não se constrange em arremessar petardos como o presente em ‘Tudo se transformou’: “A razão desta tristeza/É saber que nosso amor passou”. Em ‘Momento de fraqueza’, se dá ao luxo de brincar: “Um samba/ Sem querer cantei errado/ Não era amor sem fim/ Mas sim amor já terminado.”
Integrantes de gerações diferentes, ligados a movimentos musicais que, vindos da mesma raiz, seguem caminhos que pouco se cruzam, Herbert e Paulinho construíram, sem querer, uma tabelinha de fazer inveja a Pelé e Coutinho. É quando, por exemplo, o roqueiro lança a bola em ‘Sinto muito’ — “Dentro de você existe alguém/ Existe alguém que quer nos afastar” — e o sambista arremata com “Hoje vejo nos teus olhos/ Que a flor do nosso amor morreu” (‘Não é assim’). Cruéis, muito cruéis, como dizia aquele velho locutor esportivo.
Fernando Molica é jornalista e escritor | E-mail: fernando.molica@odianet.com.br