Rio -  Tenho um amigo que desistiu de ir ao cinema. Nada contra os filmes atuais, o problema dele é com o comportamento do público nas salas de exibição. Não suporta mais o crec-crec dos comedores de pipoca, o slarpt-ploft do abrir e fechar de embalagens de alimentos, as intermináveis conversas durante a projeção e a profusão de lanterninhas amadores, pessoas que chegam atrasadas e acendem seus celulares em busca de seus lugares. Há também os que insistem em deixar telefones ligados e que não conseguem deixar de conferir ligações e mensagens.
Outro dia, num dos momentos cruciais de ‘Lincoln’, o fim da escravidão dependia de uma comunicação a ser feita ao presidente norte-americano. Nenhum problema: o celular tocou no gabinete da Casa Branca justo naquele momento. Não, não havia celulares na época da ação, o telefone que rompia a lógica do filme soava dentro do cinema onde eu estava. Deu vontade de gritar “É pra você, Abraham!”
Muitos espectadores padecem de uma espécie de síndrome de Galvão Bueno. Não basta ver o filme, é preciso narrá-lo, comentá-lo, quiçá ouvir a opinião do internauta, solicitar que ele defina o que o Django, personagem-título do filme do Quentin Tarantino, deve fazer com esse ou aquele escravagista. Vai mandar tiro ou não vai?
As trilhas sonoras ganharam a função de servir de fundo musical para as conversas. Talvez influenciados pelas novelas, em que diálogos costumam ter mais importância narrativa que imagens, parte do público acha que aquela musiquinha é apenas enrolação e tem, no filme, o mesmo efeito da bossa nova que torna mais agradáveis as imagens do Leblon.
A barulheira no cinema revela dificuldade de convivência no espaço público, base da lógica democrática. Viver em sociedade implica parar no sinal vermelho, respeitar limites de velocidade, não trafegar pelo acostamento, não pisar na grama, comer de boca fechada, conter a eventual vontade de tomar banho de mar pelado. Mas essas pequenas concessões garantem um mínimo de civilidade — nós não conseguiríamos ir à esquina se cada um fizesse tudo o que lhe dá na telha. E isso se aplica ao comportamento no cinema: não se pede muita coisa, apenas o respeito a quem também comprou ingresso e que não acha normal ouvir um celular tocando, em 1865, no gabinete do presidente Lincoln.
Fernando Molica é jornalista e escritor | E-mail: fernando.molica@odianet.com.br