Rio -  Terminou sem acordo a audiência realizada ontem entre 21 índios que não concordaram em morar na Colônia Curupaiti — para portadores de hanseníase, em Jacarepaguá — e a Justiça Federal do Rio de Janeiro. O objetivo era negociar outro espaço para os indígenas, que passaram a noite no Museu do Índio de Botafogo. A proposta de hospedagem em um albergue na Glória por quatro dias não foi aceita pelo grupo que morava na Aldeia Maracanã e foi despejado sexta-feira. “Não vamos para hotel. Vamos dar um jeito de arrumar um lugar para passar a noite”, disse o índio Urutau Grajajara, que preferiu não revelar para onde ele e os outros indígenas pretendiam ir. O juiz federal Wilson Witsel, da 1ª Turma Recursal, cobrou da Funai atenção aos indígenas.
Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
Após a entrega das instalações em Curupaiti, índios tiveram que tirar água que inundou a área inaugurada | Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
A audiência foi realizada sob forte esquema de segurança do Batalhão de Choque da PM. Estudantes com rostos pintados gritaram palavras de ordem e penduraram faixa contra o governo.
Cerca de 40 manifestantes, entre índios e estudantes, que passaram a madrugada de domingo acampados no museu em Botafogo, saíram pela manhã. Eles chegaram ao local por volta das 15h de sábado, durante horário de visitação.
Negociações para que os manifestantes deixassem o prédio do museu começaram por volta das 5h com representantes da Justiça Federal e o major Ivan Blaz, do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Às 7h, os manifestantes deixaram o local num micro-ônibus da PM e seguiram para a sede da Justiça Federal. No fim de semana, grupo de índios que está hospedado no Hotel Santana, no Centro, passeou pela Lapa.
Ontem a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos entregou o terreno na Colônia Curupaiti a 12 indígenas que aceitaram. Logo após a entrega os índios secaram o chão molhado pela chuva. “No momento foi a única opção”, explicou o índio Carlos Tukano.
Integração entre índios e crianças
Rodos e vassouras tomaram o lugar dos chocalhos. No primeiro dia no alojamento provisório na Colônia Curupaiti, os índios trabalharam muito para escoar a “piscina” que se formou no pátio coberto com lona, após forte chuva na tarde de ontem.
Os seis contêineres instalados no espaço, que contam com dois quartos, três banheiros e uma cozinha equipada com fogão e geladeira, só não foram inundados porque estavam em plano mais alto. “Não contávamos com isso”, desabafou o cacique Carlos Tukano.
Os índios aprovaram a calorosa recepção das crianças moradoras da colônia. “Os índios brincam de quê?”, gritou uma menina, enquanto meninos pediam colares, cocar e apitos.
De olho na criançada da região, a professora de história e integrante da tribo Guarani, Marize Oliveira, prevê um projeto para ensino da cultura indígena na colônia.
Área de laboratório também vetada
À tarde, depois de uma vistoria feita no terreno da sede do Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), que fica ao lado da Aldeia Maracanã, o juiz Wilson Witzel indeferiu o pedido feito pelos índios que invadiram o museu de Botafogo para que se estabelecessem no local. Segundo o juiz, o terreno não tem condições de ser habitado. Intimado por Witzel, o ouvidor da Funai, Paulo Celso de Oliveira, exigiu a presença de um representante do estado, o que teria ocorrido durante a reunião a portas fechadas, cujo acesso da imprensa foi impedido, a partir na parte da tarde.
Moradores de Curupaiti aceitam indígenas, mas defedem seu espaço
A convivência entre índios e moradores da antiga Colônia Curupaiti pode não ser tão pacífica quanto se imagina. E o motivo é simples. A maioria das pessoas que residem no hospital preserva no discurso e no comportamento um pouco do isolamento social que remete aos anos em que a hanseníase era uma doença estigmatizada, que condenava a uma vida de exclusão.
“Esse espaço é nosso. O governo acha que eles (indígenas) tinham que vir para cá. Tudo bem, desde que eles se comportem. Eles só têm que entender que isso aqui tem dono”, afirmou Francisco Raimundo, 58 anos, que desde 1991 ocupa um quarto de um dos pavilhões que servia para tratamento da doença.
A história dele é a semelhante a tantas outras na antiga colônia. Diagnosticado com hanseníase, foi deixado pela família e não teve outra opção a não ser morar no alojamento do hospital. Na Curupaiti, a palavra hanseníase é quase uma espécie de senha de identificação. Não ter sofrido da doença chega, algumas vezes, a ser motivo para ser hostilizado.
Os pavilhões ainda refletem um cenário de um local com aspectos da década de 40, quando era obrigatória a internação compulsória do doente. “Você já teve a doença? Não? Então, você nunca vai saber o que a gente sente. Decidi ficar na colônia porque o mundo lá fora era preconceituoso demais. Aceito os índios, porque eles são tão excluídos como nós”, afirmou, mais receptiva, Sueli Nunes, 55 anos. Aos 17 anos, ela foi internada.
A diretora do hospital, Ana Cláudia Krivochein, aposta que proximidade de índios e moradores da antiga colônia é benéfica. “Os portadores de hanseníase são como os índios. Eles perderam a política de inclusão social e agora querem conquistar seu espaço. Acredito que ambos vão sair ganhando com essa convivência”, acredita a diretora.
Reportagem de Angélica Fernandes, Christina Nascimento, Francisco Édson Alves e Luiz Almeida