Rio -  Vítima de sequestro-relâmpago há seis meses, a advogada Adriana Campos viveu horas de terror. Ameaçada de morte, ela só foi liberada pelos bandidos depois que eles zeraram seu saldo. O trauma psicológico foi tão grande que Adriana desenvolveu, semanas depois, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). “Eu tive a certeza de que eles me matariam”, conta. “Pensei que superaria o episódio sem problemas, mas o tempo passou e não conseguia esquecer.
Ficava irritada, dormia mal e não queria sair. Hoje, com tratamento, me sinto melhor”. O trauma se expressa de diferentes formas e mesmo quando não dá sinais óbvios, fica registrado no corpo e pode se manifestar meses depois. Porém há tratamento. No Brasil, terapeutas estão aplicando o método Experiência Somática, inclusive com vítimas do incêndio na boate em Santa Maria, ocorrido há um mês e no qual morreram 239 pessoas.
A Experiência Somática, criada pelo americano Peter Levine, doutor em biofísica e psicologia, usa exercícios mentais e corporais, além de técnicas de respiração, para ensinar o indivíduo a enfrentar as consequências do trauma. “O objetivo é que ele descarregue a energia traumática que o congelou, à medida que vai se sentindo seguro.
Aos poucos os seus sentidos vão sendo restaurados”, explica Sônia Gomes, professora do Somatic Experiencing Trauma Institute e da Associação Brasileira do Trauma. “Os sintomas do trauma não são causados pelo evento ameaçador. Estão associados à energia residual acumulada no organismo devido à impossibilidade de resposta biológica de luta e fuga diante do perigo”.
Os principais sinais de trauma psicológico, ou reação aguda ao estresse, são desespero, desesperança, retraimento social, diminuição da atenção, desorientação, raiva e pesar incontrolável. Há ainda os sintomas de sensação de distanciamento e de estar fora da realidade, e incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma, diz o psiquiatra Flávio Shansis,
Coordenador do Programa de Pesquisa e Ensino em Transtornos de Humor e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. E cada pessoa reage de forma diferente ao trauma. “Isso teria relação com aspectos de sua personalidade. E, provavelmente, há indivíduos biologicamente mais propensos a desenvolverem reações de longo prazo a um estresse”.
PSICOTERAPIA É ESSENCIAL
Há outros fatores, como história de transtorno psiquiátrico, ou ter pessoas na família com doença psiquiátrica, abuso na infância, quociente de inteligência baixo e nível menor de educação. “Quanto mais grave o trauma, maior a chance de sofrer de TEPT”, afirma Shansis.
O tratamento imediato é essencial para a recuperação. O período das 6 horas iniciais após o trauma é fundamental para iniciar o tratamento. A psicoterapia (com abordagens cognitivo-comportamental, psicodinâmica breve, a terapia de apoio e a terapia de grupo) é uma das técnicas mais indicadas.
Já o uso de fármacos, como antidepressivos, pode ser necessário, especialmente em pessoas com história de transtorno psiquiátrico e com sintomas graves nas primeiras horas. “Drogas que diminuem a ansiedade devem ser evitados: a longo prazo acabam por consolidar memórias emocionais do trauma.”
TERAPIA CORPORAL RECUPERA O BEM-ESTAR
Com experiência de atendimento a vítimas de tragédias em vários países, a psicoterapeuta Sônia Gomes acaba de retornar de Santa Maria, onde usou a técnica de Experiência Somática para tratar pacientes, médicos e bombeiros. Ela afirma que o método pode ser usado num momento de emergência e também na situação de estresse pós-traumático. Seu objetivo é ensinar o paciente a superar a reação aguda ao estresse e deixá-lo mais forte mentalmente.
1. Como atua a Experiência Somática?
— Quando a pessoa está seriamente traumatizada, ela se sente paralisada, como se o seu corpo tivesse congelado no momento do trauma. A Experiência Somática retira o indivíduo desse estado. A técnica atua no íntimo da defesa do organismo. Com ajuda do terapeuta, o paciente acessa registros do trauma e a força que ele teve para sobreviver. Assim recupera os impulsos de fuga e luta que ficaram congelados. A paralisia dissipa-se e se sente melhor. A Experiência Somática é facilitador desse processo.
2. Quais as consequências do trauma?
— Sobrecarrega a capacidade de sobrevivência e deixa marca impressa no sistema nervoso. Dores, ansiedade, depressão, distúrbios alimentares e de comportamento muitas vezes têm relação com trauma não resolvido. Seus efeitos podem afetar o bem-estar pelo resto da vida.
3. O trauma psicológico tem cura?
— Ele não só tem cura como pode ser um portal para o autoconhecimento. Peter Levine diz que o ser humano é biologicamente programado para experimentar, suportar e sobreviver a traumas. Ele pode aprender a se adaptar às situações de ameaça, e ao sair deste estado de imobilidade se tornar mais forte para lidar com os eventos futuros.  
Reportagem: Antônio Marinho