Rio -  Durante três meses, o silêncio foi o único aliado da secretária E., 32 anos. Marcada física e emocionalmente pelo estupro, ela resolveu esconder do mundo sua dor, por medo e vergonha. Ao entrar numa delegacia para registrar a perda de um documento, viu em um cartaz o incentivo que precisava. “Criei coragem e registrei o caso. A violência sexual dói na alma, mas falar com a polícia foi o primeiro passo em direção à cura”, desabafou a vítima, que acompanha de perto as investigações de seu caso, ocorrido em 2012.
Foto: João Laet / Agência O Dia
Foto: João Laet / Agência O Dia
A mudança de pensamento das vítimas de violência sexual fez com que o número de notificações do crime saltasse nos últimos quatro anos. Em 2011, foram registrados 4.871 casos, sendo 1.591 somente na capital. No ano seguinte, foram mais de seis mil boletins nas delegacias de todo o estado, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP).
De acordo com a titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) do Centro, Célia Silva Rosa, os altos índices não indicam mais crimes, e sim que as pessoas estão denunciando mais. “Antigamente, muitos não falavam por medo ou acreditavam que a punição ao criminoso seria leve. Com a mudança da tipificação do crime (hoje, pela lei, atos libidinosos também são considerados estupros) e uma pena mais rígida, as pessoas criaram coragem para denunciar”, afirma a delegada, ressaltando a importância da vítima procurar unidades de saúde para tomar coquetel contra doenças sexualmente transmissíveis e evitar gravidez indesejada.
Cresceu também o número de registros feitos por mulheres casadas. Em boa parte dos casos que envolvem casais, as vítimas sofreram violências anteriores àquela registrada. “Elas não sabem que uma relação sexual forçada, mesmo com o marido ou companheiro, é estupro. Em 99,9% dos casos, o motivo é o mesmo: o outro não aceita o fim do relacionamento e passa a agredir a mulher”, acrescenta Célia.
A armadilha da bebida
Casos de jovens que denunciam estupro depois de uma noite de ‘bebedeira’ têm sido muito frequentes ultimamente. “Elas vão para as boates e tomam esses ‘combos’ vendidos nas casas, que são várias bebidas alcoólicas misturadas. As moças perdem a noção e, muitas vezes, acordam na cama com um desconhecido ou amigo, sem ao menos lembrar do agressor ou se realmente sofreram violência”, contou Célia.
A violência sexual contra a criança ou adolescente também tem a mesma característica do crime contra adultos: a vítima costuma guardar segredo por muito tempo. “Às vezes, a família não quer expor por vergonha ou a criança é ameaçada pelo agressor, que na maioria dos casos é conhecido do menor e da família, ou até parente”, explica o delegado Marcelo Braga, da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV). A especializada recebe, em média, de 2 a 3 casos por dia, a maioria ocorrida com crianças entre 4 e 8 anos de idade.
Dicas para evitar abusos
É importante manter diálogo aberto com os filhos e alertar a criança para não permitir que alguém toque, acaricie ou machuque seu corpo. Também não se deve fazer pactos de silêncio sobre qualquer situação;

Não aceitar convites, dinheiro ou favores de estranhos;

A vigilância é uma aliada. É bom estar atento ao comportamento da criança e de adultos que a cercam, mesmo conhecidos da família;

Acreditar nos relatos da criança, por mais absurdo que pareça.