Rio -  Não é com grande frequência que encontramos a presença de uma ala de agogôs numa bateria de escola de samba, seja ele de duas ou quatro bocas. O rústico instrumento já foi encontrado com uma grande intensidade no Carnaval do Rio, mas o passar do tempo acabou sendo crucial para a grande diminuição de sua presença. Diferente por sua dinâmica de tons e volume, o agogô é visto, em alguns casos, como um grande xodó, já em outros, como o maior dos vilões.
Rústico instrumento está voltando a figurar no cenário das baterias | Foto: Divulgação
Rústico instrumento está voltando a figurar no cenário das baterias | Foto: Divulgação
Enquanto muitos mestres nem sequer cogitam a presença de uma ala de agogôs dentro de seu trabalho, outros são adeptos e apostam na suavidade e distinção do instrumento, que se destaca, atualmente, pela presença cativa em algumas baterias como Portela, Império Serrano, Estácio e Grande Rio, dentre outras. Mas não é de agora que a presença do agogô ganhou tons de polêmica. No passado, a grande rivalidade entre Império Serrano e Portela também se caracterizava pela existência de dois grandes grupos de ritmistas que dominavam o cenário. No entanto, o fato não tinha grandes proporções, o mais válido era a presença do agogô ser notada e valorizada no mundo do samba.

Referência de um ícone

Para falar das questões mais antigas do instrumento, ninguém melhor do que um dos nomes mais conhecidos do eixo Portela-Império ainda em atividade. Dos 71 anos de idade, Antonio Carlos Ferreira, o Ferreirão, é visto como uma das grandes referências do agogô de quatro bocas. Entretanto, não foi repentinamente que o conhecido sambista passou a fazer parte do seleto grupo de ritmistas que dominam o toque. Na verdade, o imperiano Ferreirão começou sua trajetória no time de agogôs, justamente, da arquirrival Portela, e diante de um processo bastante curioso.
Ferreirão sempre desfila na companhia da esposa Cecília | Foto: Divulgação
Ferreirão sempre desfila na companhia da esposa Cecília | Foto: Divulgação
"Foi num ensaio da Portela que presenciei um dos maiores swingues numa bateria, um som de agogôs, sabiamente dirigido pelo meu amigo Edgar do Agogô, que criou e desenvolveu este instrumento de origem africana. Me vi envolvido, encantei-me e pedi ao meu amigo para entrar na ala. Ele, por sua vez avaliou e junto com o Otávio, um dos maiores arranjadores de bossas e desenhos do naipe, me aceitaram. A partir daí, passei a pertencer a um dos maiores naipes de agogô que já vi", disse Ferreirão, que destacou o curioso fato do instrumento chegar a ser visto como exclusivo para homens.

"Antigamente, a ala era composta por um grupo muito forte de funcionários civís, militares e de outras profissões. Éramos amigos e trabalhadores que conduzíamos com grande desenvoltura as excelentes bossas e a inconfundível base tradicional criada pelo Edgar, que dava sustentação ritmica pra todos os outros naipes da bateria. Aliás, nessa época a ala de agogô era tida como o 'clube do bolinha', menina não entrava, visto o tamanho e o peso daquele rústico instrumento. Foram anos brilhantes, em que conquistamos reconhecimento no mundo do samba, elogiados por Maria Augusta e Albino Pinheiro", acrescentou.

Aos olhos da experiência

Destaque no samba, e amigo do famoso Ferreirão, Edgard Telles Filho, carinhosamente chamado de Edgard do Agogô, dedica sua vida ao instrumentos há cerca de 50 anos. Aposentado após servir aos Bombeiros, o sambista vivenciou toda uma transição na história das baterias, e viu o xodó pessoal passar a ter momentos de altos e baixos. Entretanto, para Edgard, é interessante o fato de algumas baterias passarem a ter a presença de uma ala de agogô, e o sambista ainda admitiu o gosto pelos toques diferenciados de acordo com a melodia dos sambas, fato que vem sendo utilizado com mais frequência atualmente e denominados de "desenhos".
Edgard é um dos grandes nomes na história do agogô | Foto: Divulgação
Edgard é um dos grandes nomes na história do rústico instrumento | Foto: Divulgação
"O agogô é um instrumento muito antigo, mas só agora que algumas escolas estão começando a se interessar por ele. Ter uma ala de agogôs é possuir uma grande diferença na bateria, um tom a mais, um swingue diferenciado. Não sei como explicar direito, na verdade, nem gosto muito de falar para não ser mal interpretado, mas é muito bom e bonito poder contar com este instrumento no trabalho. Hoje, também é possível ver a utilização dos desenhos durante alguns momentos do samba, e isso é muito legal. Mesmo dependendo bastante da liberdade do mestre, é bom sair da rotina, ter mais um diferencial aparecendo junto ao conjunto", comentou.

Oriundo do Império Serrano, de onde se desligou após uma desavença com a diretoria, Edgard teve grande importância também na Portela, mas, atualmente, desempenha a função de diretor da ala de agogôs da Grande Rio, fato que não é muito destacado pelo sambista quando o assunto é a união do grupo.

"O importante é você ter uma união, uma liderança. Eu era ritmista na Grande Rio, tinha uma certa liderança com o grupo, mas passei a ser diretor há dois anos, junto ao Ciça. É um grande reconhecimento estar ali, ser o diretor, mas o mais especial é poder fazer parte de todo o pessoal", destacou o experiente Edgard, que também confecciona o instrumento para diversas alas do Carnaval do Rio.

Agogô de duas bocas - Valor especial

Carlos Henrique da Silva Vicente, o famoso Mangueirinha, é um grande admirador do agogô, principalmente, o de duas bocas. Músico e ritmista atuante no Carnaval do Rio, o sambista explicou o motivo de sua adoração ao instrumento que, segundo ele, acabou sofrendo um grande desaparecimento com o passar do tempo. Para Mangueirinha, existe toda uma função técnica que poderia ser mais explorada em uma bateria.

"O agogô de duas bocas, em si, tem uma importância em uma bateria, até pelo fato de sua diferente sonoridade. Ele possui um tempero especial, mas infelizmente passou a desaparecer com o tempo. Antigamente, na Vila, havia uma grande ala de agogôs, inclusive, tinhamos a presença do Ciro do Agogô, que além de tocar, desfilava como passista. É muito triste ver esse desaparecimento. É extremamente importante ter esta ala. Ela poderia vir como um metrônomo na frente na bateria. Ele tem essa possibilidade de marcar o tempo da marcação, quando se é bem tocado. Um agogô bem marcadinho, por ser mais alto e mais agudo, consegue se tornar uma grande referência de tempo. Iria marcar uma batucada infernal", disse.
Mangueirinha exaltou a importância do agogô de duas bocas | Foto: Diego Mendes / Divulgação
Mangueirinha exaltou a importância do agogô de duas bocas | Foto: Diego Mendes / Divulgação
Mesmo tendo desfilado tocando cuíca na bateria da Mocidade, em 2013, o músico ressaltou o fato dito anteriormente com uma situação atual. Neste ano, a Não Existe Mais Quente entrou na avenida com uma ala de agogôs, e o fato não foi à toa, houve uma fundamentação muito importante.

"Conversei muito com o Andrezinho sobre a presença desses agogôs, tanto que acabou tendo a presença da ala no desfile. Cerca de quinze ritmistas desfilaram ali na frente. Na Mocidade, a função foi justamente a que eu havia ressaltado, marcar o tempo. Como a bateria desfilou realizando diversas bossas era preciso ter uma referência, então, ele fez este papel de metrônomo", concluiu.
Fabner (esquerda) exaltou tradição da ala de agogôs do Império | Foto: Arquivo
Fabner (esquerda) exaltou tradição da ala de agogôs do Império Serrano | Foto: Arquivo
Trabalho árduo e de tradição

Pronto para completar seu 13º ano na bateria do Império Serrano, Fabner Gê fará seu sétimo Carnaval como diretor da ala de agogôs da escola da Serrinha. Responsável por um trabalho em constante continuidade, o imperiano deixou claro alguns dos aspectos que devem ser olhados com uma certa atenção maior por alguem que desempenhe esta função. De acordo com o sambista, o trabalho feito na Verde e Branco valoriza bastante não somente o lado rítmico, mas também algumas questões pessoais de cada ritmista.

"Meus métodos principais são a obediência rítmica, a assimilação dos desenhos propostos, já que não temos muito tempo para ficar passando estes toques, até pelo fato de quando o samba é escolhido termos que ter algo pré-definido e, o principal, amor pelo instrumento, tratá-lo como filho(risos). Existe também a questão dos testes, todo ano realizamos isto para saber quem estará apto a realmente desfilar, neste fato, também levamos muito em conta a assiduidade aos ensaios, que é algo primordial para o ritmista estar totalmente preparado", disse Fabner, que ainda ressaltou a boa relação dos ritmistas mais antigos com os recém-chegados na agremiação, e ainda deixou de lado a modéstia ao caracterizar a ala imperiana como uma das melhores.

"Quanto aos antigos, eles sabem o meu jeito de trabalhar, cobro quando tenho que cobrar e não dou preferência para não acomodá-los. Com os novatos existe uma cobrança para mostrar que não há diferença entre nenhum dos ritmistas, todos são tratados de forma igual. Para a galera mais nova, cobro muito a questão da rápida assimilação, mostrando a eles que ali é o agogô da Sinfônica, o mais tradicional do carnaval carioca, se não do Brasil", concluiu Fabner, que também é responsável por ensinar novos sambistas a tocar o instrumento durante as aulas da oficina de percussão do Império Serrano.
Sidcley é considerado o Rei do Agogô no Carnaval do Rio | Foto: Divulgação
Sidcley Fernandes é considerado o Rei do Agogô no Carnaval | Foto: Divulgação
Referência na atualidade

Mesmo com a grande história imperial de possuir a super tradicional ala de agogôs, uma das maiores referências do agogô presentes na atualidade do Carnaval se encontra no lado azul de Madureira. Ritmista, diretor, líder... Difícil mesmo é caracterizar de uma simples maneira o Rei do Agogô. Sidcley Fernandes vem sendo um dos maiores responsáveis pela manutenção do agogô no espetáculo carioca. Líder de um grupo de ritmistas denominado 'Agogô Carioca', o sambista organiza a equipe por diversas escolas, onde se responsabiliza também pelos desenhos ritmicos que são elaborados.

"Comecei a desfilar em 1989, na Tradição, depois daí passei a integrar a bateria do Império, portela, e algumas outras. No próprio Império eu passei a notar a importância de fazer uma divulgação maior do instrumento, até pelo fato de não existir uma reciclagem muito grande de ritmistas. Como saí de lá em 2008, passei a focar mais neste projeto, a criar coisas novas. Numa bateria, todos os instrumentos evoluiram, e com o agogô não poderia ser diferente. Nossa ideia maior é propagar a história do instrumento, conseguir ganhar mais espaço e se adequando ao estilo de cada bateria", comentou.

Diretor em escolas como Portela, Imperatriz, Estácio, Império da Tijuca e Caprichosos, dentre muitas outras, Sidcley é conhecido também pelo seu jeito tímido, que fica de lado quando o ambiente possui os amigos, sambas e o bom som de um agogô.

"O jeito mais quieto é normal, mas tenho meu lado brincalhão. Brinco muito com o nosso pessoal, quando nos reunimos sempre existe aquela conversa, os contos, as histórias. Tento levar todos ali como amigos e não somente dentro da relação 'diretor x ritmista'. O Agogô Carioca surgiu do antigo Família Agogô, e acho que o nome já diz tudo, é importante termos um elo entre nós", concluiu. Confira a batida elaborada por Sidcley para o desfile da Portela em 2013:



Essência além do som

Um dos mais jovens nomes de destaque no Agogô, Pedrinho Ferreira nunca escondeu sua admiração pelos ícones que sempre foram referências de aprendizado no instrumento. Agora visto como uma grande realidade, o músico ressaltou a incrível valorização que é possível existir em uma ala de agogôs para uma bateria. O foco em um trabalho bem realizado pode ser sempre uma esperança a mais para o futuro do instrumento.

"Depois de todo o aprendizado que tive com o Fidoca, o Sidcley, Edgard, com meu próprio pai, posso falar que é  de extrema importância a entrada do agogô numa bateria. Contribui muito harmonicamente. Não basta ter o naipe, tem que saber usar, saber tirar de cada ritmista o seu melhor, unir todos da ala, ter criatividade e bom gosto", disse Pedrinho, que concluiu de maneira enfática. "Não basta ser uma tradição, tem que ser uma essência".
Pedrinho torce por uma maior valorização do agogô no Carnaval | Foto: Divulgação
Pedrinho torce por uma maior valorização do agogô no Carnaval | Foto: Divulgação