Rio -  Não há dúvida da importância geral do repique no conjunto de uma bateria. No entanto, existem sim aqueles instrumentos que acabam se destacando em alguns momentos, os famosos craques. O potencial rítmico da peça é gigante, a alta veia criativa e a facilidade com que situações de destaques individuais ganham o cenário é sim um dos motivos para o repique se destacar dos demais em alguns casos.
Repique é o instrumento mais alternativo de uma bateria | Foto: Divulgação
Repique é o instrumento mais alternativo de uma bateria | Foto: Divulgação
Importante também pelo valor ritmico geral, mantendo sua batida básica durante a apresentação, é possível dizer que os tocadores de repique são aqueles que podem facilmente chamar a responsabilidade do "jogo". Uma subida, uma retomada, uma chamada, uma apresentação. Desde os primórdios da história, o repique tem seus momentos de destaque e nem mesmo o tempo consegue tirar o lado rebelde e marrento do instrumento camisa 10.
Vitinho se inspira em talentos do passado | Foto: Divulgação
Vitinho Botelho se inspira em grandes talentos do passado  | Foto: Divulgação
História em transição

O velho ditado sempre diz que "filho de peixe, peixinho é", e no samba não é diferente. Os que conhecem a história do premiado mestre Paulinho Botelho sabem de seu início no Carnaval, junto ao inseparável repique. Agora, anos depois, uma nova história uniu dois grandes nomes: Paulinho e Vitinho. Filho do mestre, Vitor Botelho é um dos grandes tocadores de repique da atualidade e tem em seu pai uma de suas inspirações. No entanto, o talentoso sambista não deixa passar batido o legado deixado por alguns grandes nomes da história, como Corélha, da Vila Isabel, e Jaguara, da Mangueira, ritmistas que marcaram os passos do instrumento em sua longa trajetória no samba.

"As pessoas que sempre serviram de inspiração para mim fizeram história no Carnaval. Nenê Brown, que tocava com meu pai antigamente, Jaguara da Mangueira, Celsinho do Repique, Carioca e Corélha foram alguns dos grandes ícones que ajudaram nesta minha formação atual. O tempo vai passando, as coisas vão evoluindo e as pessoas acabam buscando a inovação, mas não tem como mudar a essência do instrumento, eles fizeram parte da história. Existe uma grande influência dos grandes nomes do passado, eles marcaram a história e possuem uma grande importância em vários sentidos, a própria levada básica do repique, o floreio, são muitos detalhes que eles nos deixaram como legado", disse Vitinho, que ainda contou a curiosa maneira como passou a tocar o instrumento.

"Na verdade, minha primeira apresentação com o repique foi no programa Show da Xuxa, em 1989, ao lado do meu pai e da cantora Simone, mas ele não era meu instrumento preferido, eu gostava de tocar tudo, de fazer barulho. No início resolvi me aperfeiçoar no tamborim e apenas em seguida comecei a ver os grandes tocadores de repique em ação, foi quando me apaixonei. Desde então decidi que era com o repique que eu queria ser um especialista", acrescentou.
Celsinho do Repique fez história na Mocidade | Foto: Divulgação
Celsinho do Repique cresceu e se tornou mestre de bateria | Foto: Divulgação
Gerações distintas

Experiente, talentoso e conhecido. Celsinho do Repique construiu uma grande história no Carnaval carioca. Revelado na bateria mirim da Mocidade, o sambista foi longe. De ritmista virou diretor, e até mestre e nunca escondeu seu principal aliado no início: O repique. Atualmente no posto de diretor de bateria da Verde e Branca de Padre Miguel, o sambista segue afirmando que o instrumento tem uma grande importância e, no passado, era visto como a referência numa bateria. Era, por exemplo, o responsável por todas as paradinhas.

"Em 1974, quando iniciei junto ao mestre André, o repique era considerado o master dos instrumentos, procurado e invejado por todos. Antigamente, o repique era o que os tamborins são hoje, o instrumento que todos querem tocar. Nesses tempos mais antigos, todas as paradinhas eram baseadas nele, tudo começava e terminava no repique, hoje não. Atualmente, as coisas se diversificaram muito, as baterias estão muito ecléticas. Acho muito válido essas mudanças, mas vejo o repique como algo top de linha, é um instrumento fundamental, espero que seja visto assim por muito tempo. Esta essência não pode acabar", disse. Confira um pouco de Celsinho do Repique em ação ao lado de demais companheiros da Mocidade Independente de Padre Miguel:



Função valiosa no contexto geral das baterias
Alyson segue com o inseparável instrumento na carreira | Foto: Divulgação
Alyson não abre mão do inseparável instrumento na carreira | Foto: Divulgação
Mesmo além da opinião concreta dos mais experientes, novos talentos não se mostram atrás quando o assunto é conhecer a função do instrumento. Segundo  Alyson Motta, ritmista e percussionista da banda de Dudu Nobre, o instrumento possui um valor básico numa bateria e a importância nas paradinhas também é algo bastante simples de se entender, diferentemente da execução, fato que reforçou a opinião do veterano Celsinho.

"É um instrumento muito importante. Ele acentua o tempo entre as marcações e acaba dando todo um swingue ao samba. É muito comum também que note uma referência grande durante as bossas da bateria, principalmente na questão da retomada, já que ele muitas vezes acaba fazendo a chamada para esse retorno. Não é tão simples como parece", disse.

Levada x Solo

A complexidade do repique é um dos fatores que acaba fazendo um ritmista se dedicar bastante para conseguir desvendar os maiores mistérios do instrumento. Desta maneira, o famoso Waguinho do Repique conseguiu se consagrar como um dos grandes destaques da atualidade. Músico, ritmista e diretor, o sambista não poupa palavras para comentar os valores de seu maior xodó musical, e fez questão de ressaltar a importância da presença do instrumento numa bateria.
Waguinho é um dos destaques do repique na atualidade | Foto: Divulgação
Waguinho é um dos destaques do repique no cenário atual | Foto: Divulgação
"Dentro de uma bateria é essencial a levada básica dos repiques, ela dá todo um swingue, uma base. Particularmente falando, gosto da levada tradicional da Mocidade, que era executada na época do mestre André, com repiques de couro. Outro fator que vejo com grande importância é a presença do repique mór, no qual os possíveis timbres alcançados são fantásticos e garantem uma alta diversidade entre momentos graves e agudos", comentou Waguinho, que ainda falou um pouco sobre os famosos solos. Diferentemente da batida básica, é no momento deste tipo de toque que os ritmistas se destacam ainda mais.

"Não existe um instrumento de percussão dentro de uma bateria tão perfeito para o solo quanto o repique. As possibilidades percussivas são infinitas, é o momento que todos param para te ver, e por alguns minutos você é o artista, a estrela principal. O foco está na sua arte você é o responsável pelo show, e a regência da bateria naquele momento vem das nossas chamadas. O Solo de repique vem da alma, do coração. De onde a genialidade e o improvável acontecem diante das pessoas. Neste momento, o improviso e o talento devem sempre guiar a apresentação de forma simples e natural. É preciso técnica, talento e responsabilidade", acrescentou. Confira o talentoso Waguinho demonstrando a relação entre a levada básica e o solo de repique:



Valorização e destaque

Com o passar do tempo, o normal é sempre que os instrumentos se desenvolvam junto ao conjunto geral da bateria. No entanto, alguns crescem, outros diminuem e assim segue o mundo do samba. Na visão do jovem Gabriel Policarpo, ritmista e músico profissional, com o repique não é diferente. Ciente das constantes mudanças ocorrentes, o sambista não fecha os olhos para a visibilidade que o repique chega até a perder em alguns casos, mas ressalta a importância geral do instrumento se manter ativo numa bateria.
Policarpo aposta na valorização do repique pelo mundo | Foto: Divulgação
Gabriel Policarpo aposta na valorização do repique pelo mundo | Foto: Divulgação
"No mundo das baterias, existe uma inquietude muito grande pela inovação e isto é algo incrível. A música, no geral, tem ganho muita coisa com isso, o Carnaval então, nem se fala. E acho que esse é um dos fatores mais importantes quando falamos do grau de complexidade inserido nos trabalhos. Atualmente, as baterias são verdadeiras orquestras e o repique tem seu alto teor de importância dentro delas. Ele é um instrumento que possui uma grande veia criativa, é um solista. De um tempo para cá, temos utilizados bastante o repique mór, que é um repique maior, com um som mais grave, muito bonito e bastante utilizado pelos primeiros repiques das baterias. Atualmente, noto uma grande crescente na imagem dos repiques, mas essa questão varia muito de acordo com a concepção de cada mestre. Alguns mestres apostam e dão uma grande visibilidade para o instrumento, como é o caso do Marcão, do Salgueiro", analisou o sambista, que ainda comentou um fato curioso. Mesmo longe da sapucaí, o instrumento vem ganhando uma grande visibilidade pelo mundo e o próprio Gabriel é um dos responsáveis pelo fato.

"Falando de um dos pontos de valorização do instrumento, sempre acabo comentando sobre o Pandeiro Repique Duo. É um projeto que levo junto a um amigo, e que mostra exatamente o potencial de dois instrumentos bastante distintos. Mesmo distante da Sapucaí, através deste projeto estamos conseguindo expandir um pouco mais do real valor destes instrumentos. Fico muito feliz ao ver a incrível valorização do repique no cenário da música internacional". Confira um pouco do poder musical de um repique: