Rio -  Ensina a catequese que alguns cristãos lograram o impossível: viver segundo a vontade de Deus. Tiveram vida coerente, praticaram virtudes heroicas, são chamados santos. Em março, perdemos um santo incontestável, de quem tive a graça de ser amigo: o padre italiano Renzo Rossi. Tinha 87 anos e sofria de câncer no pâncreas.
Em 1965 ele veio integrar, no Brasil, a missão jesuíta de Salvador. Atuava junto aos pobres sem se envolver com a militância em luta contra a ditadura. Em 1969, nós, sete frades dominicanos, fomos presos, acusados de subversão. Um deles, Giorgio Callegari, era italiano, e sua mãe pediu a Renzo que o visitasse. Ao longo de seis anos, Renzo foi a 14 cadeias brasileiras que abrigavam prisioneiros políticos. Como ele não tinha vínculo com política, não levantou suspeitas. Renzo não era ‘neutro’. Estava ali para servir às vítimas, não aos algozes.
Em 1970, foi preso em Salvador um jovem de 18 anos: Theodomiro Romeiro dos Santos. Já no carro de polícia, atingiu três agentes, matando um quarto. Renzo passou a visitá-lo. Em 1971, Theodomiro foi condenado à pena de morte, mais tarde comutada em prisão perpétua. Veio a anistia, em 1979, mas o jovem marcado para morrer não foi beneficiado.
Renzo temia, como todos nós, pela vida de Theodomiro, isolado em um cárcere e alvo do ódio da ditadura que, aos poucos, desmoronava. Era preciso libertar Theodomiro. Isso implicava subornar carcereiros e policiais. Renzo voltou à Europa e levantou os recursos. Conseguiu tirar Theodomiro da prisão e do Brasil.
Renzo se foi. Seu exemplo de solidariedade fica. E quando se traduz em arriscar a própria vida para salvar outras vidas chama-se amor.
Frei Betto é escritor, autor de ‘Diário de Fernando — nos cárceres da ditadura militar brasileira’