Rio -  A aprovação pelo Congresso Nacional de Proposta de Emenda Constitucional que amplia os direitos das empregadas, ante nosso passado de escravidão e servidão doméstica, gerou reação. Enunciando a que estrato social se destina, a revista de maior circulação no país estampou em sua capa um homem de classe média usando avental e o título: “Você amanhã”.
A questão é antiga. Em 1653, no ‘Sermão da primeira dominga da Quaresma’, Padre Antônio Vieira pregou que “este povo, esta república, este Estado não se pode sustentar sem índios. Quem nos há de ir buscar um pote d’água ou um feixe de lenha? Que nos há de fazer boas covas de mandioca? Hão de ir nossas mulheres? Hão de ir nossos filhos?” e conclui dizendo que é melhor sustentar-se do próprio suor. O padre Antonil escreveu em 1711 que “ser senhor de engenho é titulo que muitos aspiram, porque trás consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”.
No Brasil Colônia a escravidão de índio era proibida, mas era permitido ‘comprar’ um índio que fora escravizado por outro. Era o subterfúgio para contornar a proibição. Os índios não escravizados podiam ser submetidos à servidão involuntária. É interessante como os nomes são alterados para a prática de ilícitos.
No Brasil os vocábulos não têm significado específico. Os nomes são adaptados para as conveniências. No presente momento, o poder público promove “internação compulsória” de usuários de drogas, sob o pretexto de “internação involuntária”, fraudando a necessidade de autorização judicial.
Até a Constituição de 1988 as domésticas não tinham direito a salário mínimo, 13º, férias ou repouso semanal. Poucos foram os direitos atribuídos com a PEC: FGTS e jornada de oito horas, descontada a de almoço. Nada mais. A reação advém da concepção escravocrata que enseja ser servido, sem se dar conta de que domésticos podem ser contratados por turnos, para quem não queira, fora de um turno regular, buscar um “pote d’água”.
Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia