Rio -  O metrô estava cheio e entrou um sujeito com um acordeom. Encostou na porta em Copacabana e começou a tocar. A cada estação, parava e puxava aplausos, até descer na Cinelândia. Assim que deu os primeiros acordes, emocionou. Eu estava pensando nos conselhos que recebi para tornar a gravidez mais saudável: “Passa creme na barriga, faz massagem, bota um som para o bebê ouvir”. E aí aquela música entrou nos meus ouvidos como bálsamo. Passei a mão na barriga e perguntei mentalmente: “Está ouvindo? Olha que lindo, bebê”.
Uma moça com um jeito bem humilde sorriu para o músico e sacou R$ 2. As pessoas começaram a pagar. Se todos que pedem dinheiro nos transportes públicos pudessem expor algum dom, lucrariam mais. A cada estação uma música e o rapaz conseguiu tornar a nossa viagem mágica. Exceto por uma senhora que estava do meu lado, que, meninos, eu vi, também se emocionou.
Na expressão do olhar dela, no modo como foi surpreendida pelas notas musicais, na hora pensei: “Há quanto tempo será que ela não ouve música?” Mas, durona, foi o fulano descer e ela reclamar horrores com a passageira sentada à sua esquerda: “Isso é um absurdo! Quer tocar música, toca na rua!”.
Ela não teve a chance de se permitir ouvir música. Ela foi obrigada, assaltada, aquilo a invadiu sem permissão. Como se fosse uma tentação e ela, pessimista, não pudesse ter nenhum prazer. Como no filme ‘Chocolate’, com Juliette Binoche, em que ela é uma doceira e Alfred Molina, o prefeito de uma fervorosa comunidade católica que se entrega aos chocolates do título para a revolta dele, indignado com a afronta ao período da Quaresma, época dedicada ao jejum e à penitência. No final (o filme é de 2000, acho que posso contar), ele se esbalda e acaba com os chocolates da loja de sua ‘oponente’, sendo pego em flagrante todo lambuzado na vitrine.
Por que criar certas barreiras na vida? Por que ter saudades de um tempo em que já viveu uma determinada situação e, por que não mais, vivê-la novamente? Por que entrar nos padrões rígidos impostos pela dinâmica careta de viver? Ser ríspida com o marido? Ter inveja do próprio corpo nas antigas fotos de biquíni?
Quer mergulhar de roupa? Vai. Beber e no dia seguinte rir daquilo tudo? Bebe. Começar de novo? Vá em frente. Mudar de emprego? Nunca é tarde. Parar de sofrer? Decida. Por que envelhecer e perder a graça? A vida é uma só e é só fazer... como nos primeiros anos de vida.