Rio -  O empurrão, em 21 de junho de 1989, foi na vida de Maurício, que nega ter feito falta em Leonardo no lance do gol da vitória do Botafogo por 1 a 0 sobre o Flamengo, no Maracanã. O herói alvinegro, com febre, chegou a pedir para ser substituído no intervalo daquela decisão de Campeonato Carioca, mas o técnico Valdir Espinosa o manteve em campo porque sonhara com o gol histórico. Com a profecia cumprida, o Alvinegro quebrou jejum de 21 anos sem título.
Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia
Maurício está na história do Botafogo | Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia
Hoje, 13 anos - número preferido dos botafoguenses -, 10 meses e dois dias depois, Maurício ainda carrega o “de 89” como se fosse sobrenome.

O DIA: Você ainda lembra com detalhes do dia 21 de junho de 1989?  

Maurício: É inesquecível. É uma história de amor eterno. Só quando eu for embora (morrer) vou parar de fazer essa reflexão. Foi um momento histórico, não só para o Botafogo, que fazia 21 anos sem ser campeão, mas para a minha história de vida, um garoto criado na favela, com dificuldades, que torcia muito pelo Zico, meu ídolo desde pequeno, pelos dribles e gols de falta. Meu ídolo maior era Mané Garrincha, mas que eu vi jogar era o Zico. Nessa decisão de 89, eu estava jogando contra ele e tive aoportunidade de fazer aquele gol antológico que me proporcionou uma carreira vitoriosa.

Você jogou com febre...

Por isso hoje, como servo que sou, reconheço todas as coisas. Eu não iria jogar, estava febril, tive um furúnculo que me ocasionou dificuldades para caminhar. Não podia tomar nenhum medicamento porque tinha exame antidoping. Fiquei fragilizado. Joguei no domingo, segunda-feira passei mal, terça-feira passei mal, melhorei na quarta-feira, dia do jogo. Tomei uma sopa e falei: ‘Não vou jogar’. Os jogadores se reuniram, a comissão técnica, o Valdir Espinosa, e falaram: ‘Você vai jogar’. O Josimar e o Luisinho falaram: ‘Nós vamos correr por você’.

Como foi encontrar o Nilton Santos no vestiário?

O Nilton Santos me abraçou e falou para eu não me preocupar, que ele sabia da minha fragilidade, mas que Mané Garrincha estaria comigo. Aquilo foi uma forma de me fortalecer. O primeiro tempo foi 0 a 0. Eu desci a escadaria do vestiário e encontrei com o Espinosa. Ele disse: ‘Como você está?’. Eu falei: ‘Mal, pode me tirar’. E ele: ‘Não, eu sonhei que você faria o gol do título. Eu tiro qualquer um, menos você. Lava a cabeça, se ajoelha, pede a quem você tiver que pedir, a Deus, para te proteger, mas você vai voltar’. Voltei, e aos 12 minutos, consegui dar aquela arrancada, através de uma jogada do Luisinho com o Mazolinha, que foi ao fundo e cruzou, eu entrei em diagonal, que era o meu forte, e consegui fazer o gol do título. Senti um alívio muito grande, não sei explicar. Consegui voltar a jogar.

É verdade que você sonhou com a vitória?

Eu estava dentro do ônibus, meio sonolento. O Luisinho me perguntou: ‘Você sonhou alguma coisa? Tem alguma previsão? Porque você sempre acerta’. Eu falei para ele: ‘Eu sonhei que a gente vai passar um sufoco, mas vamos ganhar de 1 a 0’. E ele perguntou: ‘Você vai fazer o gol?’. E eu falei: ‘Eu não, tomara que eu cruze para o Paulinho Criciúma fazer’. Eu não consegui enxergar quem faria o gol. As coisas nas nossas vidas são predestinadas. Eu não iria jogar. Qual o treinador que colocaria um jogador passando mal, numa decisão? A mão de Deus estava presente. E tinha que ser eu, camisa 7, de Garrincha, Jairzinho, Rogério, Helinho, Túlio...

Teve um empurrãozinho no Leonardo?

Os flamenguistas alegam que eu dei um toque. Mas foi uma jogada de momento. Ele vindo em direção ao meu corpo, eu simplesmente me protegi. Mas não que eu viesse a empurrá-lo ou cometer realmente uma falta. Se eu empurro com as duas mãos, o juiz iria ver. Foi um lance muito rápido, coisa de segundos. Quando eu vi, a bola estava na minha frente e eu tive a tranquilidade de colocar e fazer o gol no Zé Carlos, que Deus o tenha num bom lugar.

Você tinha noção de que estava fazendo história?

Esse grupo de 1989 era maravilhoso. Ninguém queria ser o destaque. Cada partida era uma decisão. Para mim, o gol mais importante foi o do 3 a 3 com o Flamengo que o Vitor meteu. Para mim, esse jogo foi decisivo para essa arrancada. Mas esse jogo no Maracanã, com o estádio repleto, fazendo parte dessa história, para mim é muito importante. Saber que o meu nome está ali gravado no Maracanã... Ainda não pisei na Calçada da Fama, mas eu vou pisar. Tenho certeza de que vão me chamar.

Como estava o Maracanã no dia da decisão?

A torcida do Botafogo estava maior. Juntaram Botafogo, Vasco e Fluminense contra o Flamengo. Estava todo mundo torcendo realmente para o Botafogo. Até alguns flamenguistas falaram: ‘Vocês são merecedores’. E eu falo para eles hoje: ‘Fomos merecedores mesmo, porque fomos campeões invictos’.

Você é muito lembrado por esse gol. Qual é a importância dele na sua vida?

É impressionante. Eu joguei em vários clubes. Fui campeão no Bonsucesso. Realmente, o time que me projetou foi o Botafogo, pela importância, eram 21 anos sem títulos. O Internacional foi campeão comigo da Copa do Brasil. O Grêmio foi campeão comigo também. Mas é diferente. O Basílio é reconhecido porque fez um gol antológico que marcou a história dele e a do Corinthians. Imagina você com o seu filho para nascer, na expectativa. Quando nasce é uma festa total, é a felicidade plena. Para o Botafogo foi a renovação. Eles contavam 1,2,3,4 (até o 21)... e eu junto com os meus companheiros acabamos com essa somatória. Começamos tudo do zero.

Esse filme passa na sua cabeça diariamente?

Passa porque eu não deixei de ser uma pessoa pública. Hoje, se eu for ao shopping, vai parar botafoguense para pegar autógrafo, vai vir flamenguista dizer: ‘Poxa, você empurrou’. Até me empurrar me empurram (risos). É impressionante. Dizem: ‘Olha, você fez assim no Leonardo’. Poxa, coitado de mim. Me dão presentes. É um amor, é um carinho tão grande que eles têm comigo e com os jogadores de 1989 que é especial.

Aquele título de 89 é o maior momento do Botafogo no Maracanã depois de Garrincha?

Eu creio que seja. Uma pesquisa foi feita pela televisão e foi dado o meu gol como um dos mais importantes da história do Botafogo. Então, eu acho que estou ali perto do Garrincha porque ele é o nosso mito maior. Eu fico muito orgulhoso. Quando lembram de ponteiro, falam de Jairzinho, Mané Garrincha e lembram do Maurício. Eu fico até emocionado. É engraçado: a maioria dos jogadores que vestiu a camisa 7 do Botafogo serviu a seleção brasileira.