Rio -  Eram os anos 80. Acho que o meu primeiro ano de Rio. Eu fundei um grupo de Teatro amador ali no Cacilda Becker, no Largo do Machado, e partimos para o Festival de Feira de Santana, Bahia. Lá chegando com as atrizes jovens, lindas e descoladas da metrópole maravilha, causamos grande sensação. E quando fomos abordados pelo playboy de chapéu de vaqueiro, senhor de si e dono do mundo, demos uma desculpa esfarrapada e saímos saltitantes pelas calçadas da cidade.
Foi quando ele parou a pick’up no meio-fio, desceu, avançou para cima de mim com um revólver prateado e disse que eu tinha que aprender a respeitar um sujeito homem. Imaginem eu, esquisitíssimo, totalmente pederasta e transando com as garotas nos camarins, beijando-as em praça pública, imaginem a confusão que eu causei na cabecinha do interiorano. Mas ao ver o revólver, e a possibilidade de morrer jovem demais, virei uma ameba, diante do argumento que não pede réplica, pois a tréplica é o tiro na cara. Quando ele partiu, soberano, abandonou-nos em lágrimas.
Corta. O tempo passou. Eu era produtor de moda nos anos 80 e trabalhava para Chico Recarey. Ele ia inaugurar a nova discoteca Zoom em Goiânia, e nossa trupe de modelos partiu para a grande festa. Sempre rondando pelo hotel, existia um rapaz riquinho, filho de fazendeiro poderoso, com sua calça jeans apertadíssima e seu chapéu de vaqueiro. Acho que ele amava aquele clima de artistas do Rio. Tinha um amigo inseparável, um rapaz negro dos mesmos 18 anos que ele, que comportava-se como um capataz do tempo da escravidão, sempre mudo e ao lado do patrão, atento a tudo o que acontecia.
Eu achava que o negro tinha sido posto ali pelo pai do herdeiro da fortuna, tipo amo-de-companhia. E, para minha surpresa, quando dei por mim, os dois já estavam na minha cama, e eu descobri que eu era a desculpa para que eles consumassem o amor impossível que eles sentiam um pelo outro. Eu era o adendo real que tinha que existir, para justificá-los e permitir que enfim eles se tocassem, se beijassem, nus, naquela cama.
Corta. O tempo passou. 1996, eu já era Carnavalesco da Beija-Flor. Fui ao Piauí para pesquisar o enredo Aurora do Povo Brasileiro. Na caatinga da Serra da Capivara eu era um ponto de luz colorida me deslocando por entre escorpiões e poeira avermelhada, objeto de desejo dos cangaceiros torrados pelo sol, cujas peles de tão enjilhadas formam o mais belo drapeado tipo Madame Grês.
Obviamente, terminei no estábulo com um deles, e veio a observação psicanalítica que só um homem muito simples e sábio é capaz: quando não tem mulher, cabrito ou vaca, a gente transa com homem que nem o senhor, Seu Milton.