Rio -  A conduta do motorista André Luiz da Silva Oliveira, de 33 anos, que teria revidado com xingamento às agressões do universitário Rodrigo dos Santos Freire, 25 anos, vai levar o Sindicato das Empresas de Ônibus do Município do Rio (Rio Ônibus) a repensar seus cursos de treinamento.

Uma das propostas é a criação de um ‘manual de crise’ — com orientações sobre como agir em casos como o que motivou a tragédia na linha 328 — e de um diário de bordo dos profissionais, onde eles relatariam episódios de ofensas e ataques de passageiros.

Segundo o vice-presidente da Rio Ônibus, Otacílio Monteiro, a ideia será levada para a próxima reunião dos empresários. “Um motorista circula entre 250 quilômetros a 300 quilômetros por dia, e nem sempre temos passageiros ‘britânicos’. Neste longo percurso que eles fazem, ficam muito expostos, o que provoca traumas”, afirmou Otacílio.
Ônibus caiu na pista lateral da Av. Brasil na terça-feira: sete mortos e 11 feridos | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
Ônibus caiu na pista lateral da Av. Brasil na terça-feira: sete mortos e 11 feridos | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
Apesar de submetidos a treinamento na área comportamental — como, por exemplo, agir em situações de assalto — e de direção consciente, os motoristas de ônibus não aprendem regras sobre como devem conduzir um caso de agressão física e verbal.

A tragédia na saída da Ilha do Governador, aliás, foi uma das questões debatidas ontem por colegas de André Luiz. “Ninguém sabe o que fazer. Ele teria que parar o ônibus ou deveria ter chamado a polícia no primeiro golpe que recebeu do estudante?”, questionou um profissional, que não quis se identificar.

Também não existe na Rio Ônibus estatística sobre episódios de violência envolvendo profissional e passageiros. Com o diário de bordo, o motorista deixaria registrado todo final de expediente eventualidades que acontecessem durante a viagem.

Ônibus despenca de viaduto na Avenida Brasil

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Tragédia deixou mortos e feridos em via expressa

Isso permitiria ao sindicato traçar o perfil das linhas mais problemáticas neste sentido, o estresse ao qual o profissional passou ao longo do trabalho e por que alguns motoristas teriam mais episódios de briga do que outros.

Dor e revolta no enterro das vítimas

Diante do desespero de parentes e amigos, as vítimas do trágico acidente começaram a ser enterradas ontem. O funcionário da UFRJ Marcius Flavio do Nascimento, 42 anos, foi homenageado por 50 pessoas na tarde desta quarta-feira no cemitério de São Gonçalo.

A viúva, Michele Vieira do Nascimento, 34, estava em estado de choque e não acompanhou o enterro. A festa da filha caçula do casal, que completou 1 ano ontem e estava marcada para sábado, foi cancelada.
Foto: Luiz Nicolella / O São Gonçalo
Em clima de revolta e emoção, parentes e amigos enterram corpo de Marcius Flavio, em São Gonçalo | Foto: Luiz Nicolella / O São Gonçalo
Do outro lado da cidade, no cemitério do Catumbi, o corpo de Angela Maria Reis da Silva, 61, foi sepultado. Ela voltava do trabalho, na Ilha, quando o ônibus caiu do viaduto. Segundo o irmão, Carlos Reis, 52, mesmo aposentada, Angela trabalhava como ambulante. “O sentimento é de revolta pela irresponsabilidade das pessoas”, desabafou.

Já o ex-marido da vítima, Djalma Braz, 54, acredita que o erro não foi só do passageiro. “Não entendo por que o motorista não deixou o passageiro ir embora. Ele estava errado, mas o condutor tinha que continuar seu trabalho e esquecer”, disse Djalma, que também foi um dos desabrigados do Morro do Bumba, em Niterói.

Universitário também está com lapso de memória

Assim como o motorista, o universitário envolvido na tragédia na Ilha do Governador está com lapso de memória. Aos policiais responsáveis pelo caso, ele contou que só é capazde lembrar do momento em que entrou no ônibus para seguir para a UFRJ.

O delegado José Pedro Costa da Silva contou que o estudante não chorou em momento algum quando foi questionado, no quarto onde está internado no Hospital Miguel Couto, sobre o acidente.
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Carlos Reis (E) e Djalma Braz, irmão e ex-marido de Angela Maria, se despedem dela no Cemitério do Catumbi | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
“Ele não se sente responsável pelo que aconteceu, porque ele diz que não lembra de nada. O que ficou sabendo sobre o acidente foi pela televisão do quarto”, afirmou o delegado.

Como o chip com as imagens da agressão no ônibus ainda não foi encontrado pela polícia, depoimentos de duas testemunhas estão sendo considerados fundamentais para se entender o que aconteceu minutos antes de o veículo despencar do viaduto da Ilha do Governador.

Elas desceram um ponto antes de o ônibus cair. Uma contou que correu até o local da tragédia e falou com o universitário: “Veja o que você fez!”. O estudante, machucado, não teria falado nada. Nesta quarta-feira, a família do rapaz passou a tarde toda no hospital e evitou falar com a imprensa sobre o episódio.

Advogada vai recorrer

A advogada do motorista André Luiz da Silva Oliveira, Márcia Dias, considera absurdo o indiciamento do seu cliente por homicídio doloso.

Para Márcia, não há provas de que André tenha agido com a intenção de matar ou ferir alguém. ”Por enquanto não há perícia que comprove direção irresponsável ou acima do limites de velocidade. Existem relatos de pessoas, muitas delas ainda hospitalizadas. Vamos recorrer dessa decisão”, revelou a advogada.

Márcia protestou ainda contra a viação Paranapuan, que mais de 24 horas após o acidente não tinha entrado em contato ou prestado qualquer assistência ao seu funcionário: “Um profissional, trabalhando e uniformizado, sofre um acidente com projeção nacional e seus empregadores não se manifestam. É um absurdo”, desabafou ela.