Motoristas e passageiros movidos pelo estresse
Trânsito pesado, bate-bocas e horas extras abalam condutores e afetam usuários
POR | ANGÉLICA FERNANDES CHRISTINA NASCIMENTO |
“Fiz essa mudança para não enlouquecer. Ser motorista de ônibus no Rio não é para qualquer um. Chega um momento que juntam o estresse e o cansaço, e não dá mais para continuar”, desabafa Júlio, que considera seu maior ganho ter mais tempo livre para o filho. “Além do domingo de folga, tenho outro descanso semanal. Isso nunca aconteceu comigo quando era motorista de ônibus”, completa.
Depois de oito anos de profissão, Júlio Cesar resolveu pedir as contas, em busca de qualidade de vida | Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Dia
Os passageiros também sofrem. Por imprudência de um motorista, a aposentada Célia Bonfim, de 58 anos, carrega até hoje sequelas no rosto e na perna, adquiridas num grave acidente há sete anos. Ela viajava no ônibus da linha 363 (Vila Valqueire-Praça 15) com outras 30 pessoas quando o condutor dormiu ao volante. “Os passageiros gritavam: ‘Acorda, motorista!’. Não sei se foi falta de experiência dele ou cansaço. Fiquei traumatizada”, contou Célia, que precisou passar por seis cirurgias. “Meu rosto bateu no ferro da frente e ficou desfigurado”.
Canteiros de obras e mais carros na rua: combustíveis para as brigas
Os canteiros de obras espalhados pela cidade podem ser um dos motivos para explicar o acirramento de brigas entre passageiros e motoristas. Afinal, eles dificultam o escoamento do tráfego. Consultor da Fetranspor para estudar a sociologia do trânsito, o antropólogo Roberto da Matta acredita que este é um aspecto novo, porém importante, para avaliar a rotina estressante dos motoristas de ônibus que circulam pelo Rio de Janeiro.
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Segundo ele, o aumento do número de automóveis andando pela cidade também põe mais pressão no trânsito. A implantação de sistemas como o BRS, por sua vez, demanda uma nova postura de motoristas e passageiros, diz.
“O Rio está sendo remodelado por obras, mas, ao mesmo tempo, não há uma preparação da cidade para essas mudanças. Falta propaganda do governo para informar sobre as alterações, dizer que o caminho vai ficar mais longo, mais curto, que ônibus não vai parar mais naquele ponto. É possível, sim, fazer o cidadão internalizar regras. E o administrador público tem um papel fundamental nisso”, comenta Roberta da Matta, autor do livro ‘Fé em Deus e Pé na Tábua: Ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil’.
Novas razões para largar a direção
A pesquisa mostrou que o receio com episódios de violência, como assaltos, roubos e sequestro, reduziu drasticamente entre os motoristas. Se no levamento feito em 2010 o quesito aparecia em segundo lugar como motivo mais citado para o profissional deixar a carreira, em 2012 o assunto teve menos de 10% de citações entre os entrevistados.
Para a diretora de Gestão de Pessoas da Fetranspor e da Universidade Corporativa do Transporte, Ana Rosa Bonilauri, uma das possíveis explicações é a implantação de políticas de segurança, com a instalação de UPPs, que teria provocado uma sensação maior de tranquilidade entre os profissionais.
No itinerário, uma relação pra lá de complicada
Para o analista de logística Augusto Zamith, de 29 anos, que circula de ônibus diariamente pela Zona Sul, o principal embate entre motorista e passageiro é a parada de ônibus. “Os motoristas vivem na pressa para cumprir horário. Passam direto do ponto de ônibus e, quando param, parece que estão fazendo um favor”, critica.
Quando o assunto é educação, há reclamação de ambos os lados. “Em nove horas de trabalho, recebi um ‘bom dia’ só de um passageiro”, lamenta o ex-rodoviário Júlio Cesar Mendes. “Eles (os motoristas) têm péssimo trato com as pessoas. Nem olham para a cara do passageiro”, retruca Augusto.
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