Paraíba -  A decisão da Polícia Militar da Paraíba de retirar a caveira do emblema do Bope (Batalhão de Operações Especiais), em 22 de março, provocou uma crise na corporação, polêmica e reações de oficiais superiores da corporação.
No fim de março, nove entidades de direitos humanos protocolaram pedido de proibição do uso do símbolo ao governador do Estado, Ricardo Coutinho (PSB-PB), à Secretaria de Segurança Pública e ao comando da PM. Os grupos alegaram o descumprimento de resolução da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, de dezembro de 2012, segundo a qual “é vedado o uso, em fardamentos e veículos oficiais das polícias, de símbolos e expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, assim como de frases e jargões em músicas ou jingles de treinamento que façam apologia ao crime e à violência”.
Foto: Divulgação
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O movimento foi impulsionado pelodeputado federal Luiz Couto (PT-PB), que se manifestou na Câmara de Deputados contra o emblema. Diante da pressão política, o comando da PM publicou no boletim interno a proibição. Policiais reclamaram não ter havido discussão interna antes da decisão.
Comandante que vestira farda preta assinou medida
Oito dias antes de assinar o boletim interno, o comandante-geral da PM, coronel Euller Chaves, manifestara seu apoio ao Bope, ao trajar a farda preta ornada por uma caveira, na comemoração do primeiro aniversário do batalhão. A bandeira da unidade, com a caveira trespassada por um punhal sobre o mapa da Paraíba, foi hasteada, e Euller gritou ao microfone: “Caveira!”
No dia 22, entretanto, o Bope deixou de usar em seus uniformes e viaturas a "caveira", símbolo de operações especiais no mundo. A página da unidade no Facebook, porém, manteve o símbolo da caveira com o punhal como imagem principal.
Para ele, a decisão “mexeu com os simbolismos, as tradições, os brios e a cultura da Instituição pública mais antiga do Estado da Paraíba.” O texto, com 65 páginas, é intitulado “O símbolo da Caveira e de Animal nas Forças de Operações Especiais Militares e Policiais no Brasil e as interpretações: uma (in)justiça para quem interpreta diante de contextos imaginários ideológicos”.
"Atirei o pau no gato"
Para contestar a ideia de que a caveira levaria à agressividade, Onivan cita símbolos como a espada do Ministério Público da Paraíba – que poderia ser interpretado como ligada à violência –, a cruz da igreja cristã – suplício e tortura? – ou a cobra, emblema da medicina. Diz ainda que cantigas de ninar, como “Atirei o pau no gato” não desenvolvem nas crianças desejo de matar bichos.
Para o oficial, a caveira tem a simbologia de “fazer lembrar que a morte dele é uma companheira inseparável devido ao alto nível de risco das missões a serem cumpridas”, diz. “Muito da motivação e comprometimento com o serviço dos grupamentos sociais decorrem de seus símbolos, ritos e místicas que são transmitidos de geração a geração”.
O tenente-coronel da PM de Pernambuco Walter Benjamin, citado no trabalho, afirma que “quando tropas policiais ou das forças armadas utilizam a caveira, não é a idolatria à caveira e sim ao simbolismo causado nela”.
Imagem não corresponde à realidade, diz oficial
A caveira é símbolo dos comandos do Exército Brasileiro e dos comandos anfíbios, da Marinha (cujo distintivo é uma caveira alada), assim como a onça representa os especialistas em guerra na selva. Diz-se que o mito da caveira teria nascido quando um comando francês (unidade de operações especiais cujo símbolo era uma adaga) durante a 2ª Guerra Mundial cravou sua adaga em uma caveira que enfeitava a mesa de um oficial nazista alemão. Esse gesto de “faca na caveira” – hoje um brado – simbolizaria a vitória sobre a morte.
Foto: Divulgação
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Segundo o tenente-coronel Onivan, a imagem de violência não corresponde à realidade paraibana porque, desde 1996, ano de criação do Grupo Especial Tático (GET), nenhum integrante do Bope ou das unidades precursoras sofreu condenação judicial por violência, arbitrariedade, abuso de poder ou tortura. “Provado com isto, que não é um símbolo, uma canção, um jingle que irá estimular a prática de tais atos”, afirmou.
Ele cita ainda que 79 integrantes têm comportamento “excepcional” (sem punição em oito anos de serviço), e 68 “ótimo” (quatro anos sem punição). “Não se encontra eco ou respaldo a assertiva das entidades no campo do real, do concreto, do quantificável ou do mensurável. Permanece assim, no campo da ilação, da ‘alucinação’, do imaginário e da suposição ou ‘torcida negativa’ para que os pacificadores sociais do BOPE/PMPB façam uso de tal prática.”
Segundo o tenente-coronel, a resolução federal apenas recomenda práticas para as polícias brasileiras, mas não tem caráter impositivo. Para ele, “a valoração do que venha de ‘conteúdo intimidatório ou ameaçador’ ficará exclusivamente por conta da mente que decodificará o símbolo ou expressão como sendo agressivo”.
O comandante do Bope-PB , major Jerônimo, também publicou carta contra a medida. “Para nós, policiais militares, a caveira simboliza poder, força e invencibilidade. Um poder que, segundo a sociologia, é a habilidade de impor a vontade da lei sobre os outros. A força que representa a superação do treinamento e do rigor da vida policial militar, além do Estado forte que representamos, (...) e, por fim a invencibilidade de nossa caveira, simbolizando que a Polícia Militar deve ser invencível frente à criminalidade em nosso Estado.”
Para conselho de direitos humanos, símbolo é apologia à violência
No texto que pediu a abolição do símbolo, as entidades de direitos humanos afirmam que símbolos como a caveira “fazem apologia ao crime e à violência, com a escusa de que policiais militares se sentem mais estimulados para o trabalho.”
“Essa permissividade contraria princípios constitucionais, tratados de direitos humanos e a resolução ministerial acima mencionada, afrontando o Estado Democrático de Direito. É sabido que a violência impregnada nesses símbolos e práticas desumaniza os trabalhadores da Segurança Pública que acabam manifestando o ódio e a raiva aprendidos no treinamento dispensado à população jovem, negra e mais pobre do Estado, além de contrariar a política de segurança em voga pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Paraíba e do governo do Estado da Paraíba”, escreveram as entidades.
Bope do Rio
Em 2001, o então deputado estadual do Rio Chico Alencar, hoje na Câmara dos Deputados, também defendeu a extinção do uso da caveira para o Bope fluminense, em projeto de lei. "O BOPE não é uma instituição autônoma, com símbolos próprios, nem 'tropa de elite' que atua de forma independente. (...) Caveira, além do mau gosto, é incitação ao ódio contra o 'inimigo' acoitado entre a população pobre, que tem que aturar despotismo de todo lado (...) Segurança Pública não é um estado guerreiro e ameaçador, com a mesma linguagem do banditismo que diz combater!", justificou. A tentativa de Alencar não prosperou, entretanto.
Em sua tese de mestrado “Vitória sobre a Morte: A Glória Prometida”, o ex-capitão do Bope-RJ Paulo Storani, explica o simbolismo do seu “polêmico emblema [criado em 1980]: um disco preto, representando o luto permanente, ornado por uma borda em vermelho, representando o sangue derramado em combate; no centro do disco se inscreve um desenho de crânio humano, representando a morte, com um sabre de combate o trespassando de cima para baixo, representando a vitória sobre a morte em combate; o conjunto é ornado por duas garruchas douradas cruzadas, que simbolizam, internacionalmente, a polícia militarizada”.
Onivan cita o Bope do Rio para dizer que, mesmo com o símbolo da caveira, readaptou sua ação e vem atuando em missões de pacificação de comunidades antes ocupadas pelo tráfico .