segunda-feira, 27 de maio de 2013

Clima de guerra do tráfico impera na ‘corrida da paz’ de Beltrame

Clima de guerra do tráfico impera na ‘corrida da paz’ de Beltrame

Bandidos efetuam disparos contra UPP e atrasam largada. Polícia faz operação à tarde, mas não prende ninguém

ALESSANDRO LO-BIANCO E CARLOS BRITO
Rio - Nem a presença do secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, inibiu a ação do tráfico no Complexo do Alemão. Após uma semana em que bandidos fecharam o comércio e impuseram toque de recolher na favela, ontem a ousadia passou dos limites: tiros foram disparados em direção a uma das sedes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) pouco antes da largada e na chegada da corrida Desafio da Paz.
Beltrame participou da corrida no Alemão e lamentou ação dos bandidos
Foto:  Estefan Radovicz / Agência O Dia
Houve desespero, e a organização do evento chegou a pedir para que os participantes se deitassem no chão. Um dos corredores era Beltrame, que já é conhecido por participar do evento em comunidades. As rajadas de tiros adiaram a largada.
Beltrame classificou o ataque como “ação irresponsável e criminosa”. “A ação foi oriunda de uma quadrilha que tem adoração por armas automáticas e pela banalização da vida”.
O percurso foi de cinco quilômetros, pelo caminho usado como rota de fuga por traficantes da Vila Cruzeiro, em outubro de 2010, quando a polícia ocupou a favela.
Os tiros começaram por volta das 8h, no Campo do Ordem, na Vila Cruzeiro, e se estenderam até o ponto de chegada, no Campo do Sargento, na Grota. Após uma hora de atraso, às 9h, foi decidido que a prova seria realizada.
A decisão foi tomada pelo próprio Beltrame com o comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), René Simões, que espalhou policiais por pontos estratégicos, além da presença ostensiva da Polícia Militar e de um helicóptero da Polícia Civil.
Os disparos, contra o contêiner da UPP, atingiram uma Kombi. “Disponibilizamos 40 homens do Bope para acompanhar os corredores, além de outros espalhados pela comunidade. Pensamos em não cancelar a prova para não fortalecer a ação do tráfico, que fez isso para nos intimidar”, disse Simões.
Para Beltrame, bandidos estariam tentando retomar o Alemão. “O Rio conhece muito bem a história deste lugar. Ainda restam bandidos, que insistem em permanecer. Mas, enquanto eu estiver à frente da Secretaria de Segurança, a polícia não vai deixar o local. Mas não se iludam de achar que não teremos mais disparos por aqui. O nome da corrida é Desafio da Paz e, por isso, estou aqui, porque comprei este desafio”, disse ele, que fez a prova em 35m36s.
Uma reunião definirá as ações para identificar de onde partiram os tiros e prender quem fez os disparos. À tarde, policiais do Bope, do Batalhão de Choque e das UPPs locais fizeram operação no complexo. Ninguém foi preso.
Alguns corredores desistiram da prova após os tiros
Apesar da presença de policiais, alguns corredores desistiram da prova. Foi o caso do médico Joaquim Vicente, 43 anos, que veio de Itamonte (MG), de férias. “Escutamos falar bem das UPPs e achei que a pacificação era efetiva e segura. Queria conhecer o Alemão, que foi palco da novela ‘Salve Jorge’. Mas este local não está pacificado”. Atletas quenianos ficaram assustados. “É normal? Está tudo bem?”, perguntavam.
Para o especialista em segurança e ex-capitão do Bope Paulo Storani, as ações do tráfico no Alemão são uma adaptação. “Vimos a ocupação, mas não um grande número de prisões. Logo, seria inocência imaginar que não existam muitos bandidos ali e que não agirão quando tiverem chance. Essa é uma nova realidade, na qual marginais atuam dentro de um território ocupado pelo Estado”, disse.
O diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança, Vinícius Cavalcante, explicou que “o Alemão foi a principal fortaleza do tráfico na cidade. É difícil acreditar que os bandidos desistam do território. É preciso mais ações de inteligência para identificá-los e prendê-los”.
Tiroteios e ações ousadas do tráfico são desafios constantes na área pacificada
Episódios ocorridos no Alemão mostram que a pacificação ainda está longe de ser uma realidade consolidada no complexo. Bandidos chegaram a matar uma policial da UPP em julho do ano passado. Policiais já chegaram a pedir ajuda, através de bilhetes para a imprensa, dizendo que estavam acuados. Há constantes tiroteios nas comunidades. Circulou a informação de traficantes proibiram a venda de produtos a PMs, que não tinham nem onde comprar lanche.
No dia 3 deste mês, bando atirou contra policiais da Delegacia de Homicídios que trabalham na comunidade. Nas redes sociais, moradores disseram que bandidos mandaram o comércio fechar.
Quinta-feira, mais de 13 mil crianças ficaram sem aulas por causa do luto imposto por traficantes. Estudantes da Escola Tim Lopes disseram que bandidos mandaram que todos voltassem para casa até meio-dia. A determinação ocorreu após a morte de um traficante na noite de quarta, na comunidade do Areal.
Ontem, O DIA mostrou que dos 21 médicos da UPA do conjunto de favelas, oito pediram demissão recentemente. Segundo o secretário municipal de Saúde, Hans Dohman, profissionais foram agredidos, possivelmente pelo tráfico.




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