segunda-feira, 13 de maio de 2013

Lar para filhos do crack


Lar para filhos do crack

Droga já a principal responsável pela perda da guarda de crianças no Rio. Quando não há parentes capazes de cuidar dos menores, o encaminhamento para adoção é imediato

MARIA LUISA BARROS
Rio - Levado pela mãe ainda bem pequeno para a cracolândia do Jacarezinho, D., 10 anos, recebe acompanhamento psicológico da nova família adotiva para tentar se livrar dos traumas da infância. Na época, passou fome e foi obrigado a pedir dinheiro nas ruas para sustentar o vício dos pais. Histórias de vidas sofridas como a dele são cada vez mais comuns nos abrigos cariocas. No ano passado, 1.362 crianças foram acolhidas em abrigos do Rio, vítimas de negligência e abandono. Mais de 200 delas tinham pais viciados em drogas ou álcool.
Filhos do crack ganham um lar
Foto:  Divulgação
A epidemia do crack também afeta os filhos. Cerca de 78% dos jovens abordados pelas equipes da Prefeitura do Rio declararam já ter usado algum tipo de droga, sendo que um em cada três alegaram ter experimentado crack. No abrigo municipal Ana Carolina, em Bonsucesso, 12 dos 13 bebês acolhidos no berçário são “filhos” do crack. “Como as mães não fazem pré-natal e ficam subnutridas nas ruas, os bebês nascem prematuros e ficam na UTI. Quando elas recebem alta nem retornam para buscar os filhos”, conta a diretora do abrigo, Aline Peçanha Oliveira, que junto com as funcionárias do espaço, se encarrega de escolher um nome para o recém-nascido e providenciar as primeiras vacinas. Sem vínculo com os pais, os “órfãos” do crack são imediatamente encaminhados à adoção. 
A droga já é a principal responsável pela perda da guarda de crianças no município, nos pedidos feitos pelo Ministério Público. “Um ano na vida de uma criança abrigada é muito tempo. Se não há chance de reintegração familiar, ela deve ser colocada de imediato em uma família substituta”, explica a promotora de Justiça da Infância e Juventude, Daniela Vasconcelos. Antes, porém, é feita uma tentativa de encontrar parentes que tenham prioridade na guarda das crianças. “Até localizam a família, mas muitas vezes, a avó já cria outros filhos dessa mulher. Infelizmente ela reconhece que não tem condições de ficar com mais uma criança”, diz Aline, que percebeu essa mudança de dois anos para cá. “Antes recebíamos crianças vítimas de violência doméstica e maus tratos. Hoje, 90% dos casos tem envolvimento com o crack”, observa. A maioria dos bebês sofre de doenças transmitidas pela mãe dependente, como sífilis, Aids e doenças respiratórias. “A sífilis é tratada no hospital e a criança não fica com sequela. No caso da Aids, a mãe usuária do crack não toma a medicação que poderia curar o filho”, lamenta.
Destinos que mudam para melhor
Nas festas do colégio, enquanto os colegas chegam com seus pais e mães, os irmãos de coração, F., 9 anos, e D., 10 anos, levam os dois pais adotivos. A vida das crianças mudou há dois anos.
Sem encontrar pretendentes entre casais brasileiros, eles estavam sendo encaminhados para a adoção internacional, quando o destino dos menores cruzou com os dos pastores Marcos Gladstone e Fabio Inacio, líderes da Igreja Cristã Contemporânea, voltada para fiéis homossexuais.
Casados há quatro anos, pregavam o amor sem preconceito. Por isso decidiram não fazer nenhuma restrição quanto ao perfil das crianças abrigadas. “Queríamos um filho. Não importava a cor ou sexo. Podiam ter aids ou deficiência. O único medo era que mais velhos pudessem nos rejeitar por causa da nossa orientação sexual”, contou Fábio Inácio, que passou por todas as etapas da adoção até ser habilitado, após entrevistas com psicólogos e assistentes sociais.
Para eles, a tarefa mais difícil foi ajudar os pequenos a superar os traumas da violência. Os pais de D. eram usuários de crack, e a mãe de F. o deixou na escola e nunca mais voltou. “No início, vieram cheios de maus costumes. Pegavam dinheiro em casa, queriam comer desesperadamente, porque achavam que não teriam comida no outro dia”, conta Fábio, que precisou enfrentar as ameaças de D. “Ele aprontava e dizia para devolvê-lo, se quisesse. Eu disse que podia colocar fogo na casa. Mas que era meu filho e nunca seria devolvido”, diz Fábio. “Hoje são crianças maravilhosas”.
A comerciante Márcia Dias, 43 anos, deu entrada no pedido de adoção em maio de 2009. Conseguiu a habilitação há um ano. Na semana passada, às vésperas do Dia das Mães, recebeu a notícia de que uma menina de quatro meses estava à sua espera. Os pais biológicos viciados em crack perderam a guarda. “Tenho condição de fazê-la muito feliz”, disse, agradecida, por esse presente aguardado há quatro anos.

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