quarta-feira, 29 de maio de 2013

Milton Cunha: Félix entra para o Calypso

Milton Cunha: Félix entra para o Calypso

Parto, bebê, família, casal, filhos, tudo isto deveria ser motivo de regozijo, jamais de sofrimento

O DIA
Rio - Vi e não acreditei que minha velha conhecida, a bicha má, estava lá; disse-lhe “Oi, enfim chegastes!”. O personagem do magistral Mateus Solano representa perfeitamente as 15 que conheci e com certeza absoluta, cataloguei ao longo de minha existência, em minha listinha particular intitulada ‘os filhos de Joelma’. Bato o olho, sinto a pegada, e digo “hum,hum, tá boa, santa?”.
Negam com tanta mentira que convencem a si mesmas; mas há o brilho no fundo dos olhos, que os trai e revela. E elas seguem impaladas e faceiras pela existência, apaziguadas por fazerem parte do mundo dos “normais”, respeitadas publicamente e sempre que podem, destilando veneno e prejudicando os outros.
Eu devia ter uns dez anos, naquele jantar em Belém do Pará, quando meus pais me levaram para comemorar o quase parto da moça bonita e ingênua. Nunca entendi porque eu fui levado, pois eu era a única criança daquele estranhíssimo encontro. Vários casais numa noite quente, a barriguda quase sem poder se mexer, e o marido, uma bichona jovem e impossibilitada de disfarçar, soltou a seguinte pérola quando as mulheres comentaram que o parto normal que ela se submeteria seria muito sofrido: “Pois eu sofri para fazer, ela que trate de sofrer para botar no mundo...”.
No silêncio seguinte que se formou na roda dos mais velhos, eu decidi que jamais entraria naquele jogo. Parto, bebê, família, casal, filhos, tudo isto deveria ser motivo de regozijo, jamais de sofrimento. Porque sofrer para fazer filho? Melhor não fazê-lo. E mais uma coisa: sexo com sofrimento? Sexo deveria ser prazer absoluto.
Mas o moço sofria para fazer filhos e desmunhecava de vez em sempre. Agora, pensando bem, será que meus pais me levaram lá para que eu seguisse os passos da maricona-pai? O tiro saiu pela culatra e ele foi o primeiro a ingressar na minha longa lista de infelizes que passam a vida disfarçando e só convencendo os cegos. Hoje olho pra trás e fico felicíssimo.
O jogo praticado pelos adultos naquela noite, há 41 anos atrás, é o mesmo praticado pelo personagem chimbinha do Antonio Fagundes: seja, mas negue e disfarce até morrer. Sinceramente, não é esta a vida que a maioria dos casais heterossexuais pratica?Tenham amantes, traiam, mas neguem, comunguem nas missas aos domingos, e tudo estará resolvido.
Este modelo de ser e fingir outra coisa é o mesmo protocolo impingindo aos gays que eles convencem de que é melhor disfarçar. E o que dizer das muitas eternas-mulheres gripadas (aquelas que não tem faro para saber que estão casadas com um veado?).


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