Rio -  Dos amantes do Carnaval, não há um que não se encante com o som marcante das baterias das escolas de samba. No entanto, dentro do cenário carnavalesco ainda existe uma certa questão que incomoda muita gente. O grau de valorização dos ritmistas é visto por muitos como satisfatório, mas outros enxergam o fato de maneira distinta, de modo até inaceitável.

Um dos cargos mais envolvidos com o fato é o de mestre. Sobretudo, muita da pressão que acaba caindo sobre os comandantes surge de um patamar bem superior. Comandante da bateria da Tradição, Leo ressaltou que já existe uma grande melhora dos costumes mais antigos para os dias de hoje, mas fez questão de deixar claro que o fato ainda pode melhorar. Segundo o sambista, situações muito complicadas já fizeram parte, inclusive, de seu próprio passado no Carnaval, mas as condições de trabalho para alguns novos nomes estão fazendo a diferença.

"A valorização das baterias, atualmente, está melhor do que no passado, mas acho que precisa mudar ainda mais. Em 2004, vivenciei um fato meio chato numa viagem que fiz com a Tijuca. Nesta ocasião, algumas situações muito tristes aconteceram e só quem estava lá sabe realmente o que houve, mas como somos a parte mais fraca acabamos saindo como os errados, os mentirosos. Um dos fatores que vejo como cruciais para essa melhora estar acontecendo, são as oportunidades para os mestres mais jovens, que possuem um outro tipo de pensamento e sabem bem o que os ritmistas querem", comentou Leo, que ainda fez questão de ressaltar a luta de algumas escolas e tocar em um dos pontos mais polêmicos do assunto: a remuneração.
Mestre Leo admite que situação ainda precisa melhorar | Foto: Divulgação
Mestre Leo admite que situação ainda precisa melhorar | Foto: Thalita Santos / Divulgação
"Admiro muito algumas escolas que lutam para dar uma boa condição para os seus ritmistas. Sendo até mesmo uma sala legal para a galera estar ali se distraindo e tudo mais. Outro fato que acho muito importante é que para aquele pessoal mais fiel a uma certa escola, poderia haver uma remuneração. Por mais que não pareça, somos um dos segmentos mais responsáveis pelo maior espetáculo do planeta", acrescentou.

Por um espaço maior

Para alguns, a questão da valorização dos ritmistas vai muito mais além do grande espetáculo. De acordo com o baterista Alexandre Figueiredo, o mundo do samba poderia estar proporcionando uma figuração incrível pelo estrangeiro. Responsáveis por grande parte do evento, as baterias são vistas pelo músico como um fator essêncial para todo o evento e que é merecedor de um foco muito maior no cenário.
Músico acredita que baterias podem ser melhor exploradas | Foto: Aloizio Jordão / Divulgação
Músico diz que baterias podem ser melhor aproveitadas | Foto: Aloizio Jordão / Divulgação
"Acho que falta à sociedade brasileira capacidade de reconhecer a grandeza musical do que acontece na Sapucaí, de valorizar de verdade os grandes músicos que temos nas baterias das escolas de samba. Os ritmistas e as baterias aqui do Rio produzem uma forma de arte de alto nível e a excelência é tanta que já fazem muitos anos que temos conhecimento de baterias se formando em outros países, e muitas até sem participação de nenhum brasileiro. Este fenômeno, quase que totalmente espontâneo, ocorre pela força cultural do samba, dos ritmistas e das baterias, já que infelizmente o Brasil nunca 'exportou' de maneira organizada este nosso produto tão valioso", disse o músico, que ainda ressaltou a comparação do cenário nacional com o estilo de tratamento estrangeiro para que suas culturas sejam expandidas. Xande, como é conhecido, também é um dos jurados do quesito Bateria no Grupo Especial.

"Os EUA adotaram uma política agressiva de exportação de sua música popular e de sua produção cinematográfica, desde a década de 1930 até os dias de hoje. Como resultado, temos o 'American Way of Life' como padrão de comportamento e ideologia aceitos e desejados nos quatro cantos do planeta. Imaginem se tivésemos implantado tal política de maneira organizada e séria, usando a música brasileira de qualidade como ponta de lança desta 'venda' de imagem positiva do Brasil?  Acho que nossso ritmistas viveriam dentro de aviões, viajando o mundo para mostrar o que temos de melhor. Assim, mais turistas viriam para cá, a música brasielria teria um lugar bem maior no mercado mundial, o país ganharia ainda mais simpatia para seus produtos de exportação e etc. Mas mesmo sem esta política de estado de exportação cultural, muitos ritmistas e agremiações ainda conseguem viajar pelo mundo, mostrando em shows e workshops a força do nosso samba", concluiu.

Gestões distintas

Famoso cavaquinista, o músico Gusttavo Clarão desempenha atualmente o cargo de presidente da Viradouro. No entanto, mesmo com a mudança de posição, o sambista não abre mão de exaltar seu ponto de vista sobre o fato. De acordo com Gusttavo, é preciso que não somente os ritmistas, mas toda a equipe musical de uma escola de samba seja bastante valorizada, já que possuem um valor fundamental dentro do espetáculo.
Gusttavo Clarão afirma que músicos precisam ser mais valorizados | Foto: Divulgação
Gusttavo Clarão afirma que músicos precisam ser mais valorizados | Foto: Divulgação
"Tanto como músico ou como dirigente, penso da mesma maneira. É muito necessária a valorização das baterias, dos ritmistas e dos músicos de uma agremiação, mas sei que isso também depende muito de cada escola. Muita gente fala sobre as fantasias, as alegorias, que todas precisam vir perfeitas, mas e o samba? E o ritmo? Sem bateria você não consegue fazer o Carnaval, não consegue fazer o espetáculo. Agora, se tiver um grupo de ritmistas, um cantor e um cavaquinista, é possível até fazer diversos shows por aí. E sem eles?", comentou Gusttavo, que ainda ressaltou a diferença de cada agremiação em administrar o caso.

"Sei que existe também uma relação com as escolas, com as verbas. Uma escola da Série A, por exemplo, possui mais dificuldade para se planejar do que as agremiações do Especial. Há essa diferença, um apoio maior para elas. Então, é mais complicado também você comentar os métodos de cada gestão, de cada planejamento, mas uma coisa é fato: É preciso valorizar esse time musical, eles são indispensáveis para o espetáculo. Aqui na Viradouro, buscamos ao máximo tentar valorizá-los e promover saídas com cachê para todos, mas isso ainda depende muito do evento, do lugar e tudo mais...", comentou Gusttavo.

Sentimento interno

Em 2013, um fato impactou a Sapucaí. Quarta escola a desfilar na sexta-feira de Carnaval, a Unidos de Vila de Santa Tereza passou pela Avenida com grande parte de seus componentes sem as fantasias completas, chegando a marcarem presença com diversas roupas distintas e até mesmo seminus. Um dos ritmistas da bateria da escola, Fellipe Cabral, de 29 anos, comentou o fato e admitiu um sentimento de tristeza com a situação, que acabou comprovando um certo descaso com os componentes.

"Tirando algumas raras excessões, acho que a bateria é vista um pouco abaixo de como deveria ser. Somos um segmento que sempre é o primeiro chegar e o último a sair das quadras, deveria haver um respeito um pouco maior, não somente conosco, mas como com a Velha Guarda e Baianas. Até onde eu fiquei sabendo, esse fato das fantasias ocorreu em razão de um problema na logística do transporte mas, com certeza, foi um certo desrespeito conosco, que durante todo o ano demos o nosso máximo para ajudar no trabalho. No entanto, na 'hora H', nem sequer a falta das fantasias nos tirou o foco de fazer o máximo na Sapucaí", disse.
Bateria da Vila Santa Tereza desfilou toda ela sem fantasia completa | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
Bateria da Santa Tereza desfilou sem fantasia completa | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
Em seu quarto ano de desfile, o folião não negou algumas situações complexas. Em relação com a questão da responsabilidade e até das cobranças presentes sobre os ritmistas, o sambista não negou a existência do fato, mas revelou que o sentimento de cada integrante vai muito além do que aparenta, o que acaba deixando para trás diversos fatores ímpares.

"Nós fazemos o espetáculo. Pelo nível do show que as escolas proporcionam, tanto as baterias, como as alas de passistas, baianas, e as demais, poderiam estar viajando por todo o mundo mostrando este trabalho, mas isso me parece um pouco deixado de lado. Para quem rala o ano inteiro, ter direito à comida, bebida e fantasia às vezes parece até muito pouco para o quesito que, atualmente, é o mais cobrado do Carnaval. No entanto, nós fazemos tudo isso por amor, os ritmistas gostam do que fazem e muitas vezes isso se torna até um sentimento cego", concluiu.

Um futuro diferente

Ao comentar o fato, um músico que respira Carnaval durante todo o ano deixou clara sua indignação com o fato e largou no ar sua revolta sobre a questão, mesmo preferindo não se identificar.

"É simples assim: tirem as baterias e deixem todo o restante: fantasias, alegorias, carro de som e etc. Com certeza não vai ter graça nenhuma, vai ser um carnaval desalmado, despossuído de seu elemento mais importante. Enquanto a galera do ritmo não se der conta de que sem eles 'a festa nem começa' e passar a exigir mais reconhecimento a situação não vai mudar.."

Para os que olham de fora, tudo pode parecer um mar de rosas, no entanto, para os que vivenciam o Carnaval, alguns fatores ainda ficam a quem da bela imagem vista por todos os cantos. Para os olhos do mundo fica a aparência, mas até quando as mil maravilhas da telinha serão o bastante para os artistas do espetáculo? Enquanto refletem e trabalham, os sambistas também esperam alguns resultados.
' Qual valor das baterias? ' Caso é discutido com intensidade no Carnaval | Foto: Divulgação
"Qual valor das baterias?" Caso é discutido com intensidade no Carnaval | Foto: Divulgação