terça-feira, 23 de julho de 2013

Karla Rondon Prado: O sonso

Karla Rondon Prado: O sonso

O sonso está sempre com aquela cara fofa de sonso, tripudiando da sua inteligência, pois não é possível que ele não perceba...

O DIA
Rio - Eu tinha uns 13/14 anos, fazia teatro e achava supercool gostar de Oswaldo Montenegro, que se apresentava com sua trupe lá perto de casa. Ele estava no auge de seus 30 anos e, antes de se apresentar, tomava cerveja com umas mulheres igualmente lindas na padaria da esquina. Eu me oferecia para ir dez vezes comprar algo para minha mãe: pão, cigarro... É, no tempo da minha adolescência, não era politicamente incorreto explorar o filho e mandá-lo trazer coisas proibidas para menores, como um maço de Hollywood, na época também “o sucesso”.
Tanto fiz que consegui ir a um desses shows dele, onde ouvi ‘O Chato’ (com sua letra “ah, todo chato é bonzinho, nunca nos faz nenhum mal/ ah, todo chato é calminho, como se faltasse sal”). Na letra, o próprio Oswaldo, hoje considerado um chatão, se autodefinia como tal (“eu sou um chato e meu Deus não me aguento”). E eu passei a entender que o chato é chato demais e nunca se vê assim. Mas não é sobre nada disso que eu quero falar.
Só lembrei dessa situação porque decidi escrever sobre outro tipo irritante: o sonso. Para quem gosta de ser e é verdadeiro, lidar com o sonso é um trabalho hercúleo. O sonso está sempre com aquela cara fofa de sonso, tripudiando da sua inteligência, pois não é possível que ele não perceba que você está percebendo a sonsice dele. Vive com a expressão “o que foi que eu fiz? Minha intenção é tão boa...” E no fundo — OK, no raso mesmo — só faz o que quer. Como diria minha sábia mãe, “é meio de vida”.
Ou seja: ser sonso é meio de sobrevivência, como devem ser outras características do ser, que não percebemos em nossos próprios defeitos. O sujeito que é assim provavelmente tem o temor de não ser aceito e acha que ninguém nota. Como aquela velha máxima: o mal do esperto é achar que todo mundo é otário. Talvez nem percebam o quanto têm a capacidade de nos irritar, e talvez nem seja um desejo deles, mas uma consequência que foge ao controle. A gente nota e, como toda defesa precária, ele acaba não atingindo o seu objetivo.
O sonso quer estar sempre bem com todos, o que não é possível. Assim, toda essa movimentação defensiva vai por água abaixo e o suposto esperto revela a sua ingenuidade. Porém, tem alguma eficácia nesse jeito de agir, pois ele não nos dá nada de concreto para desmascará-lo e segue em frente, deixando para trás dezenas de ressentidos. Entre eles, nós, os sinceros. Lembrando que não se deve escalar pedras lisas escorregadias (vamos cair!) e, sim, dar a volta nelas. Assim, caminha a humanidade.
E-mail: karlaprado@odia.com.br


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