Rio -  Há algo de novo entre o supérfluo e os tomates que vem aproximando as classes sociais nesta terra de afortunados. Outro dia, num bar perto das obras do Mario Filho, nome oficial do Maracanã, um peão virado da madrugada se exibia pro colega-eletricista: — Eu só bebo dois tipos de cerveja... Em lata ou garrafa. E seguiu, consumidor. — Batata, só inglesa, meu pão é francês, a linguiça, calabresa e, até a alface, é americana.
Vivemos a fantasia do emergente.
HDs em celulares, ar condicionado a cores, carros com som de buzina em estéreo, plasmas e outros líquidos cristais de um silício qualquer de Jacarepaguá, refletindomodernidade em nossos hábitos globalizados. De todo avanço, um chip não podemos perder, somos brasileiros. Lembro a piada de um paulista que, entusiasmado com o carioca, passou dias treinando o sotaque pra não fazer feio na Cidade Maravilhosa. “Passtéeiiis”, repetia à exaustão até descer no Santos Dumont, a instantes de levar uma facada do taxista pirata. Mala desfeita, no primeiro botequim da esquina, a prova final:
— Me dá dois ‘passtéeiiis’ , ‘mermão’!
— Carne ou queijo?
— Ô, meu! ‘Cairrnee’...
Pano rápido.
Estou em trânsito na França, Grenoble. Minha entrada na Europa foi por Amsterdã, o carimbo no passaporte, a emigração. Fila enorme pros nãos residentes do Velho Mundo, há um procedimento lento para o desembarque até ser recebido pelo agente responsável por essa burocracia segregária.
Em neerlandês, o fardado me pergunta de onde sou. Pronunciei: “Brasil”. Pronto! Escolta enfileirada, quase cães de aluguel e sou levado, sob o olhar cansado dos últimospassageiros, à sala de interrogatório. Detalhe que expande o descontentamento do encarregado: trago um violão nas costas.
Carregado, lembro que me apresentei neste país há cinco anos, numa cerimônia fechada para o então presidente Lula e a Rainha Beatriz, a Chefe de Estado do Reino dos Países Baixos, na ocasião praticamente recebido por batedores militares. O guarda pergunta a marca da cueca, o resultado do campeonato sergipano de Segunda Divisão, a cor do cavalo branco de Napoleão e eu, abrindo o laptop sobre a mesa de ferro no mínimo recinto. Encontro o arquivo com as fotos dessa viagem, aonde apareço ao lado da eminente senhora dos aneis e coroa, num brinde diplomático. O inquisidor se surpreende, disca um número de três dígitos apenas e me passa o fone. A voz é feminina: “O senhor me perdoe! Não entendemos bem o seu idioma...”
O nome dessa língua é Brasil.
Tomado pelo cheiro da infância, recordo a professora, orgulhosa, escrevendo à giz na lousa: “Esse é um país que vai pra frente”.
Vamos circular.
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