terça-feira, 1 de abril de 2014

João Pimentel: E nada mais

João Pimentel: E nada mais

Então por que não respirar um ar puro, pisar um chão de terra e beber água de nascente?

O DIA
João Pimentel: E nada mais
Foto:  arquivo pessoal
Rio - Eu tenho uma casa no campo. Quer dizer, eu alugo uma casinha num lugarejo chamado Benfica, entre Lumiar e São Pedro da Serra, distritos de Nova Friburgo. Região repleta de verde, de cachoeiras, de música e de bons bares e restaurantes, ainda guarda a pecha de refúgio de hippies nos anos 70. Eternizada pela canção ‘Lumiar’, de Beto Guedes, que traduziu de forma brilhante e precisa o astral do lugar, é ali que eu pretendo “plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais” quando a vida permitir.
Se o lugar de Arlindo Cruz, que mora na Barra da Tijuca, é Madureira, se o pedacinho do céu de seu vizinho Zeca Pagodinho é Xerém, achei por bem pensar, há muito anos, em um lugar onde eu pudesse amarrar meu gado, botar meu boi na sombra. Não tenho ainda um rebanho, sequer uma cabeça, apesar de dar nome aos bois. Aos bois do Joel e da Jane, donos da casinha que alugo. Já teve a vaca Michelle, de saudosa memória. O Dengo, que de dengoso não tinha nada. O Nuninho, que caiu e ficou manco. Agora só me restam o Brocador, umas galinhas e uns cachorros , que convivem harmoniosamente com três ou quatro gatos.
Conheci primeiro São Pedro da Serra. Lá pelo final dos anos 80, a memória não anda boa, conheci uma menina, Renatinha — na época, todos éramos meninos — na mineira Ouro Preto. Combinamos de viajar na semana seguinte. Nos encontraríamos na rodoviária e ali decidiríamos. Na ida, em uma revista, vi uma matéria sobre dois amigos que resolveram criar um cineminha num lugar encravado no meio de uma região de Mata Atlântica, na região Centro-Norte Fluminense. Bacana, estradas de terra, muita água e fotos maravilhosas. Fomos.
Tinha alguma festividade na cidade e não havia pousadas disponíveis. Terminamos na casa de um senhor, Milton Heringer, que conseguiu um quartinho no horto florestal que estava construindo. Seu Milton era uma iluminação. Uma figura que mantinha a porta de sua casa aberta, servia um ótimo licor caseiro e tinha um ótimo papo e preocupações ambientais numa época em que pouco se falava nisso. Ele foi um dos motivos que me fizeram pensar, na juventude dos meus 18, 19 anos, que um dia eu teria meu quinhãozinho naquele paraíso.
Pois quis o destino que um amigo, Rodrigo, décadas depois, me aparecesse com o pacote pronto. Uma casinha, dessas de desenho de criança, simples, com dois quartos, em Benfica, área semi-rural encravada em um vale.
Não sei ao certo há quanto tempo estou por ali. O tempo, nesses lugares, é relativo, é preguiçoso, é atemporal. Em dias de trânsito furioso, de gente furiosa, de calor furioso, é ali que encontro a contramão da vida, do dia a dia. Não faço o estilo bicho-grilo, riponga, ou seja lá o que for, mas acredito que Deus é natureza, é o ar que eu respiro, o chão que eu piso, a água que eu bebo. Então por que não respirar um ar puro, pisar um chão de terra e beber água de nascente? E nada mais.

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