Rio -  Faz um tempo longo. Noviço no alto da serra, em Belo Horizonte, pedi ao mestre dispensar-me da liturgia de Quarta-feira de Cinzas. Aos 20 anos, o mundo me parecia infinito. E minha vida, infinda. Para mim, o passado não existia, o presente impregnava-se de fé, o futuro se abria no par de portas destrancadas por todo o idealismo que me consumia a subjetividade.
No jardim do convento, junto à horta, da qual me tocava cuidar, recolhi-me em companhia dos versos de T. S. Eliot em ‘Quarta-feira de Cinzas’. Porque eu também não espero voltar (e isso vale ainda hoje). Sobretudo agora que pertenço ao grupo etário da eterna idade — nós que ultrapassamos seis décadas de existência e, portanto, estamos mais próximos do fim de todos os mistérios.
“Não mais me empenho no empenho de tais coisas”. O verso de Eliot me soou como interrogação. A vida me ensinou que renúncias exigem convicções arraigadas. O jejum da Quarta-feira de Cinzas é muito mais do que abster-se de carne. É esperar não conhecer “a vacilante glória da hora positiva”.
Como são desafiadoras as virtudes! O jejum da Quarta de Cinzas ou, como outrora, exigido durante toda a Quaresma, é a coragem de dizer “não” a tudo que nos esgarça, confundindo-nos quanto ao rumo adequado a seguir.
Naquele jardim conventual, em companhia do poeta, intuí a importância de jejuar de tudo aquilo que não alimenta o espírito. Por que então pedi dispensa da liturgia comunitária na capela e me isolei no jardim com Eliot? Não recomendou Jesus evitarmos multiplicar palavras ao orar?
É o que convém buscar na Quaresma: o silêncio no Verbo. Eis o paradoxo da fé e o sentido desse tempo litúrgico que precede a Páscoa.
Escritor, autor de ‘Um homem chamado Jesus’