Moacyr Luz: Dicionário de palavras comuns
Preciso delas pra aprontar minha crônica semanal.
O ouvido esgarça feito o megafone da RCA:
— Rapaz, na hora de descer o caixão, minha tia se curvou na despedida e a peruca caiu!
— E aí, Pacheco?
— O coveiro, com a pá erguida, soltou o seguinte: “Madame, a peruca vai ou fica?”
Ri com os olhos pra não invadir a privacidade.
— Essa minha tia também é boa de copo. Outro dia se aborreceu comigo quando soube que Zumbi tinha morrido há trezentos anos: “Pô, meu sobrinho!
Deixei de beber uma cervejinha na birosca pra vim na festa de quem já morreu? E eu aqui procurando um defunto?”
A conversa seguiu. Ainda ouvi na saideira que Zuzu, a tia, pegou no sono e fez três “ida e volta” no ônibus do bairro.
O trocador deu uma cutucada no fim do último trajeto: “ A senhora tá de bob?”
Zuzu, acordando assustada, apertou a cabeça: “Meu filho! Como eu fui sair de casa com bobes na cabeça?”
São movimentos que a literatura não traduz, a expressão.
O freguês aqui do lado desliga o celular e murmura pra eu invejar:
— Hoje vou tirar o coelho da toca.
Páginas desse dicionário de palavras comuns.
Na calçada, o flanelinha gesticula:
— Doutor, deixa solto!
— Não me chama de doutor que eu te opero.
— Que isso, patrão?
— E não me chama de patrão que eu te demito!
Fazer o quê?
Intimidades cariocas.
E-mail: moacyrluz@ig.com.br
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