Karla Rondon Prado: Todo dia é o último
Rio - Ouvi boatos de que o mundo ia acabar, mas estava muito sem tempo para dar atenção a isso. Ah é? O mundo vai acabar? Bom, se acabar a gente não vai nem saber, porque será o fim mesmo e pronto. A trombada será grande e todos vão sumir em segundos, não vai nem doer. “Ué, mas o mundo não acaba diariamente para centenas de pessoas?”
Supondo que hoje seja meu último dia, o que eu faria? “Agora já sentamos aqui. Mas você pode pedir o que quiser. Vamos de filé à Oswaldo Aranha?” “Filé à Oswaldo Aranha? Mas vem com farofa de ovo?” “Não, farofa simples. Quer pedir farofa de banana? Por mim, tudo bem”. “Não, eu quero farofa de ovo”. “Pode pedir de banana. Tranquilo.” “Não, mas eu quero de ovo”. “Então vamos de filé? Se bem que acho que prefiro contra-filé”. “Ah, não, se for contra-filé, vamos logo de picanha”. “Boa! E batata frita gordinha?”.
“Ótimo”. (…) “Nossa, que delícia. Como conseguimos comer tudo?” “É porque comemos sem culpa, já que o mundo ia acabar. Podemos até ir à praia gordos, porque o que vale é o prazer do momento, o sal secando no corpo largado na areia… deixa secar e cai de novo na água… Nem precisa o biquíni da estação. Isso não tem a menor importância”.
Mas esse fim de mundo está muito ordinário. Imaginei terminar meus dias num iate na Sicília, flagrada por um paparazzo em meu biquíni branco… Fotografem, queridos, eu finjo que nem estou vendo. Já são sete horas e, tirando passar a batata no caldinho da picanha, não fiz nada demais. “O que você queria mesmo?”. “Nós e nossos amigos num estado soberano, um Vaticano particular, um pequeno país sem contexto, com nossas próprias leis. Também podiam ter sobrado umas garrafas de vinho de antes do fim do mundo. Nós, a natureza e o escambo. Não foi assim no começo?” Hoje termina. E amanhã, fazer o quê? Pode ser o último dia do resto de nossas vidas.
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