quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O ‘escândalo’ Milton Cunha conta sua experiência no Carnaval em livro

Em entrevista, colunista do DIA critica rainhas de bateria siliconadas

PATRÍCIA TEIXEIRA
Rio - Avacalhar é o verbo preferido do carnavalesco e colunista do DIA Milton Cunha, que se diz filho de Dercy Gonçalves com Chacrinha e irmão de Elke Maravilha. Desse híbrido a gente pode imaginar quase tudo. Mas são suas gargalhadas sobre as mazelas da vida e suas expressões como ‘escândalo’ e ‘saravá’ que dão o tom — alto, por sinal — de sua personalidade.
'Claudia Leitte é asséptica, hospitalar. Ela não entendeu que tem que escutar, e muito, a glória dos seus ritmistas', dispara
Foto:  Bruno de Lima / Agência O Dia

Milton se prepara para o lançamento de seu livro, ‘Carnaval é Cultura — Poética e Técnica no Fazer Escola de Samba’ (Ed. Senac São Paulo, 146 págs., R$ 239,90), que acontece amanhã, às 13h, na Cidade do Samba. “A pessoa compra o livro e leva dois ingressos para a feijoada, porque, se não for assim, só vão para encher a barriga”, diverte-se ele, que também é formado em Psicologia, diretor artístico da Cidade do Samba e comentarista de Carnaval na Globo.
A publicação é uma compilação de fotos e textos sobre os 20 anos de sua trajetória no samba. As dores e as delícias vividas pelo carnavalesco estão estampadas nas páginas do livro. “Foi parto arrancado a fórceps”, define, ao contar que teve que escolher apenas 500 das duas mil fotos que tinha. Uma imagem que chama a atenção no livro foi alvo de polêmica, em 2004. Com o enredo ‘Boi Voador Sobre o Recife — o Cordel da Galhofa Nacional’, pela São Clemente, Milton fez uma crítica à roubalheira no país.
“Foi o Carnaval em que mais me diverti. Me lembro que o João Paulo Cunha, na época Presidente da Câmara dos Deputados e que hoje está preso por causa do Mensalão, foi ao meu barracão e me proibiu de entrar na Avenida com a alegoria que era o Tio Sam cagando na cúpula do Congresso Nacional. As alas eram engraçadíssimas: ‘Os Veadinhos de Pelotas’, ‘A Eguinha Pocotó’. O Tio Sam não desfilou, mas eu estou solto e o João está preso”, respira aliviado, com um ar vitorioso.
Milton gosta de exibir seus ‘highlights’ com empolgação e relembra que já colocou oito mulheres-pássaro nuas e penduradas apenas por cabo de aço e que também já ousou implantar violinistas à frente de uma bateria. Ri ao lembrar que inovou colocando 15 drag queens grávidas na comissão de frente no desfile da União da Ilha, em 1998. “Nessa época, eram os senhores da velha guarda que eram da Comissão. Os jurados falavam: ‘Eu vou dar nota dez para essa comissão de frente, mas eu percebo claramente que ela é uma agressão ao quesito’”, salienta.
“A quebra de paradigmas enlouquece o júri, eles não conseguem raciocinar que nota vão dar para aquilo. Nunca quis o primeiro lugar, só queria avacalhar, adoro avacalhar. O público amava as minhas loucuras. Na minha panela de dendê, os meus camarões eram mulheres, todas piranhas, se mostrando, colocando as pernas para o alto. Sempre fui meio da pá-virada. Eu fazia Carnaval para mim, queria me divertir, me rasgar, soltar as frangas”, ressalta.
SALVEM AS CELULITES
Com olho clínico e sem papas na língua, Milton vai contra a ditadura da beleza na passarela do samba. Ele exalta mulheres que exibem com orgulho suas marquinhas de estrias e celulites, e que fazem o bumbum tremer para valer na hora de mostrar o samba no pé. “Louva-se a Juliana Alves (rainha de bateria da Unidos da Tijuca), que está gorda, mas disse: ‘Eu não estou num concurso de beleza’. Gosto dessa pegada dela de dizer: ‘Me vejam além do meu peso, eu sou uma sambista. OK, tô com 90 kg, mas eu sou o Rio, represento bem meus ritmistas’. Adoro isso nela”, avalia.
“Quem vai pra Avenida e fica procurando estria e celulite está ferrado, porque a real é essa. Se quiser o mundo irreal das siliconadas, esse mundo é muito chato, elas são todas iguais, e não sambam, porque a borracha está dura dentro delas. Deixa a mulher real sambar, se tremer toda. Querem que a Avenida seja a reprodução de um museu de cera, e isso é muito chato”, repreende.
As críticas se estendem a Claudia Leitte, rainha de bateria da Mocidade, que usou protetor auricular durante o ensaio técnico da escola. “Ela é asséptica, hospitalar. Ela não entendeu que tem que escutar, e muito, a glória dos seus ritmistas. Bateria não faz mal para tímpano. Aquilo é orgânico, só entra nas suas tripas, nas vísceras, se entrar com toda força. Quando aquela coisa bate forte, aquilo te apossa, te arrepia, você não pode controlar a quantidade de samba que entra, você foi escolhida para estar à frente de 300 tambores e isso vai te possuir, deixe-se levar”, aconselha.
Sua última atuação como carnavalesco foi em 2010, na Acadêmicos do Cubango, mas se Milton quisesse voltar aos velhos tempos, já teria um enredo em mente. “Falaria sobre os gays, sobre a história da homossexualidade. Começaria em Safo de Lesbos e terminaria em Rogéria, passando por Oscar Wilde, todas as bichas e travestis. Sem gay o Carnaval não rola, os barracões são gays absolutos, as bichas que bordam, os destaques de carro são todos veados, ainda não prestaram nenhum tributo a eles. É um enredo que é maldito, não entra na Sapucaí”, aponta. Milton também achincalha o politicamente correto. “É uma chatice, o mundo não é tão sério assim. Sou da linha do deboche. Respeito muito o tradicional, mas sinto falta do bom humor, da ironia, da crítica social política. A Dilma é um prato feito, mas ninguém faz. Sou da linha mulheres pintadas, genitálias desnudas”, define.
    Tags: Milton Cunha , Carnaval , Livro

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