É preciso atenção ao primeiro capítulo da história, porque são muitos os Botafogos. E não estamos falando das homenagens nascidas em Ribeirão Preto ou João Pessoa, mas daquilo que precedeu o alvinegro carioca. Um grupo de remadores do Clube Guanabarense se separou da entidade em 1891 e deu origem ao Grupo de Regatas Botafogo, que por sua vez foi o embrião do Club de Regatas Botafogo, fundado em 1894. O pessoal do Club de Regatas já havia chegado se reunir para jogar futebol, em 1903, num amistoso contra os rivais (e também remadores) do Flamengo. Enquanto isso, paralelamente, os amigos e boleiros Flávio Ramos e Emmanuel Sodré viviam trocando bilhetinhos no meio da aula de álgebra, um incitando o outro a fundarem juntos um clube. A brincadeira virou realidade em 12 de agosto de 1904: era o Electro Club; primeiro (e infeliz?) nome do Botafogo Football Club. A fusão entre os dois, Club de Regatas e Football Club, só aconteceria décadas depois, em 42:. Foi quando se chegou definitivamente à fórmula consagrada: Botafogo Futebol e Regatas.
A proposta a princípio despretensiosa se baseava, essencialmente, na disputa de jogos amistosos ao redor do Estado. Mas, de forma algo estranha (ou, pelo menos, atrasada), o primeiro título chegou cedo, já em 1907. Naquele estadual, Botafogo Footbal Club e Fluminense estavam empatados na última rodada: o Flu jogou com o Paissandu e venceu por 2 x 0; enquanto os botafoguenses esperaram e esperaram pelo lanterninha Internacional, que simplesmente não apareceu. A vitória por WO deu os pontos ao Botafogo, mas nenhum gol para o saldo. Os tricolores queriam o título pelo saldo de gols, enquanto o Botafogo insistia que estava tudo igualado. O regulamento do torneio nunca tinha parado para pensar em situação como aquela. A coisa ficou assim durante, acredite, 90 anos: em 1996, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro decidiu que aquele título seria dividido. Portanto, é isso mesmo: o hino do Botafogo, que diz “campeão desde 1910” passou a estar errado. É desde 1907.
O que houve, sim, em 1910, foi o primeiro título indiscutível. A conquista, aliás, que rendeu o apelido de “Glorioso”. No ano anterior, o time já havia aplicado aquela que até hoje é a maior goleada da história do futebol brasileiro: 24 x 0 sobre o Sport Club Mangueira. O time de 1910 terminou o torneio com 66 gols e com os três primeiros colocados da artilharia: Abelardo de Lamare, Décio Viccari e Mimi Sodré. Uma confusão em 1911 levou o clube a se desligar da então Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA): durante duas temporadas, o Botafogo se dedicou a amistosos e ao modesto torneio da Associação de Football do Rio de Janeiro. Perdeu sua sede da rua Voluntários da Pátria e só começou a se reerguer em 1912, quando a prefeitura cedeu o terreno da rua General Severiano – até hoje a sede oficial. No ano seguinte, o time voltou à LMSA, mas ainda longe de poder brigar pelas primeiras posições. Os botafoguenses, então, aprenderam o significado de uma palavra que passaria a ser constante em qualquer das quase sempre dramáticas referências ao clube: jejum. Outro título só viria na década de 30.
Comandado pelo artilheiro Nilo e por Carvalho Leite, o Botafogo venceu o título de 1930 e formou a base para o glorioso tetracampeonato entre 32 e 35. Prova da força daquele elenco está na convocação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1934, na Itália. Foram nove os botafoguenses na lista: Carvalho Leite, Waldyr, Áttila, Canalli, Ariel, Martim Silveira, Octacílio e os dois goleiros, Germano e Pedrosa. Até Lêonidas da Silva chegou a vestir a camisa alvinegra no último título do período, em 35, mas a passagem foi das mais breves: em seguida foi negociado com o Flamengo.
Tudo isto, é bom recordar, aconteceu com o Botafogo Football Club. Foi só na década seguinte, precisamente em 8 de dezembro de 42, que o clube se fundiu ao Club de Regatas e deu origem ao Botafogo de Futebol e Regatas. Novo nome, novo escudo (já que a estrela solitária era do Clube de Regatas), novo ídolo: substituindo o artilheiro Carvalho Leite, em 1940 chegou ao clube aquele que seria o herói da torcida durante quase toda uma década: Heleno de Freitas. E, apesar de sua identificação com o Botafogo e de ter tido companheiros como Tim e Zezé Procópio, Heleno só viu de longe, da Argentina – porque havia sido negociado com o Boca Juniors – a retomada do título estadual: em 1948, justamente o ano de sua saída. Depois de quatro vice-campeonatos consecutivos, o time de Otávio de Moraes, Sílvio Pirilo e Gérson dos Santos derrotou o Vasco e colocou mais um troféu em sua galeria. O lendário time que dominaria o País ainda apenas começava a se formar, mas já tinha dentro de General Severiano um de seus estandartes: aquela foi a primeira conquista em que a escalação contava com um certo lateral-esquerdo chamado Nílton Santos.
Foto: Gazeta Press
Da direita para esquerda, Pelé, Garrincha e Zagallo
Aquele era o início da construção de uma geração de jogadores que mudaria para sempre a cara do Botafogo e a maneira como o clube era visto no Brasil e em todo o mundo. Didi, Zagallo, Amarildo, Quarentinha e Manga, além de Nílton Santos, formavam o eixo de um time encantador; que só não encantou ainda mais porque calhou de coexistir com o Santos de Pelé. Começa com o título de 57, quando Paulinho Valentim marca nada menos do que cinco gols na vitória por 6 x 2 sobre o Fluminense, na decisão do estadual. Um ano depois, Nilton Santos, Didi e sobretudo Garrincha se tornavam atração para todo o planeta, ao brilhar na Copa do Mundo da Suécia. Quando o Brasil partir para ganhar o bicampeonato, em 62, o Fogão era campeão carioca e do Rio-São Paulo. Sofreu nas mãos do Santos de Pelé em 63, quando foi derrotado na decisão do Rio-SP e eliminado da Libertadores, mas em 64 a dificuldade para completar o calendário acabou dividindo o título entre santistas e botafoguenses: era o bicampeonato do torneio interestadual. O tricampeonato do Rio-SP, em 66, também foi dividido com outros três times: Santos, Vasco e Corinthians.
Por causa do período de treinos para a Copa de 66, não houve tempo (!) para a disputa do quadrangular final. Aos poucos, a equipe se renovava, mas sem perder nem um pouco de qualidade: o time de 68, que já reunia Jairzinho, Paulo Cézar Caju, Carlos Roberto e Gérson, chegou ao título que coroou aquela grande geração: a Taça Brasil de 68. Mais do que coroação, acabou sendo também uma despedida. Durante muito, muito tempo, aquela seria a última lembrança gloriosa na cabeça do botafoguense.
Os primeiros anos não tinham nenhuma pinta de jejum. Aquele mesma base campeã da Taça Brasil, somada a nomes como Fischer, Wendell, Djalma Dias e Marinho Chagas, fez bonito nas duas edições inaugurais do Campeonato Brasileiro: chegou ao triangular final em 71 – quando ficou atrás de São Paulo e Atlético-MG – e foi vice-campeão no ano seguinte, atrás do Palmeiras. Eram os últimos estertores dos grandes dias de conquistas. Quando aquela geração secou, não houve reposição, não havia dinheiro para contratações e, aliás, durante um período, mal havia condições de manter a equipe viva. A crise financeira levou a equipe, em 77, a vender a sede de General Severiano e ficar durante alguns meses sem campo até mesmo para treinar – até a transferência da sede para o bairro de Marechal Hermes. Curiosamente, foi bem durante esse período nebuloso, entre 77 e 78, que o Fogão, à base de gols de Nilson Dias, Gil e Mendonça, estabeleceu um recorde de 52 jogos invictos – 42 deles pelo Campeonato Brasileiro. Em 1981, outra boa campanha, agora com Mirandinha no comando do ataque: o Botafogo terminou o Brasileiro em 4º lugar. Papo vai, papo vem, o tempo passa e a essa altura já fazia quase 15 anos que o “Glorioso” não justificava o apelido.
Foto: Gazeta Press
Jairzinho foi um dos grandes nomes da história do Botafogo
Pois, no total, a angústia durou 21 anos: entre 68 e o salvador ano de 1989. E não é que a equipe que disputou o Campeonato Carioca daquele ano fosse genial. Aliás, quem compara os alvinegros Josimar, Mauro Galvão, Paulinho Criciúma e Maurício com um Flamengo que tinha Jorginho, Aldair, Leonardo, Zico, Bebeto e Zinho não é capaz de adivinhar que o Fogão foi o campeão invicto: um gol salvador de Maurício, diante do Flamengo, valeu a expiação de anos de sofrimento e gozações. Estava tudo pronto para o Botafogo voltar a dizer, sem medo, que era uma equipe grande e gloriosa. Tanto que a conquista virou bicampeonato em 1990 e, em 92, o Fogão retornava a uma final de Brasileiro: com Válber, Carlos Alberto Dias, Renato Gaúcho e Valdeir, o time caiu diante do Flamengo, mas se classificou para disputar a competição que significaria o primeiro título internacional da história do clube. Na Copa Conmebol de de 1993, Carlos Alberto Torres comandou um time que não era exatamente marcante - vide a dupla de ataque Sinval e Eliel -, mas que superou o Peñarol na decisão do torneio (que já não existe mais). No ano seguinte, o clube retornou à histórica sede de General Severiano.
O time já voltara a ser respeitado no Brasil todo, mas ainda faltava conquistar um grande título dessa dimensão, algo que não acontecia desde 68. Apesar de todas as reclamações da arbitragem de Márcio Rezende de Freitas na decisão contra o Santos, o Fogão recuperou sua condição de melhor do Brasil naquele ano de 95: foi o auge de Túlio com a camisa 7 do Fogão, quando foi acompanhado por Gonçalves, Donizete, Sérgio Manoel e o goleiro Wágner.
Os anos seguintes ainda reservaram um título carioca em 97, ganho com gol de Dimba, e uma campanha até a final da Copa do Brasil de 99, comandada por Bebeto. Só que, já naquela época, ficava claro que o planejamento andava longe de exemplar. Em 1999 mesmo, o clube só não caiu para a segunda divisão do Brasileiro por causa do “caso Sandro Hiroshi”, que rendeu um punhado de pontos. Nos dois anos seguintes, não passou nenhuma vez do 20º lugar e, finalmente, em 2002 veio o inevitável: com a lanterna do campeonato, o time foi rebaixado. O desastre coincidiu com a eleição de Bebeto de Freitas – ex-técnico de vôlei e sempre botafoguense assumido – como presidente do clube.
O objetivo primordial não podia ser outro: voltar à elite. A equipe não dava exatamente a impressão de que teria facilidade, com base nas primeiras rodadas da série B, mas logo Leandrão, Almir, Dill - que havia marcado pelo São Paulo o gol que sacramentou o rebaixamento botafoguense -, o volante Túlio e o veterano Valdo comandaram uma grande campanha até o vice-campeonato, atrás apenas do Palmeiras. O retorno estava feito, mas ainda faltava acertar muita coisa dentro do clube – tanto que o sucesso no estadual não chegava, e a campanha na volta à primeira divisão foi irregular e por pouco não levou a novo rebaixamento. O século 21 só começou mesmo na sala de troféus botafoguense em 2006, quando Dodô, Lúcio Flávio e o capitão Scheidt levaram o time ao título estadual. Aos poucos, 2007 deixou claro que o Botafogo era equipe para brigar por grandes títulos: foi à semifinal da Copa do Brasil, liderou boa parte do Campeonato Brasileiro e fez um duelo memorável contra o River Plate pela Copa Sul-Americana. Mesmo assim, nenhum título foi conquistado e a equipe ainda amargou o vice-campeonato carioca para o Flamengo. O ano ficou marcado mesmo pela conquista do estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão. Construído para o Pan-Americano do Rio de Janeiro, o clube carioca ganhou a concessão para usar o estádio até 2027.
Eleito presidente do Botafogo em 2009, o dentista Maurício Assumpção encontrou o clube com sérios problemas financeiros e dificuldade para montar uma equipe. No mesmo ano, nova frustração no Campeonato Carioca, quando o Botafogo foi novamente derrotado pelo Flamengo e ganhou o incômodo tri-vice-campeonato. No Campeonato Brasileiro, a temporada irregular, que causou a troca do técnico Ney Franco por Estevam Soares, fez com que o Botafogo só escapasse do rebaixamento na última rodada, com uma vitória sobre o Palmeiras. Após o final do torneio, o atacante Jobson foi flagrado no exame antidoping, que apontou o uso de cocaína. O jogador admitiu a culpa e foi suspenso por dois anos, que posteriormente cairia para seis meses. O clube não sofreu nenhuma punição.
Com a moral em baixa, o clube trouxe uma contratação que animou a torcida no começo de 2010, o atacante uruguaio Loco Abreu. O jogador chegou a receber a camisa 13 (número que sempre usou), das mãos do técnico Zagallo, em um evento na sede do clube. Mas na estreia do jogador, no Campeonato Carioca, goleada histórica sofrida para o Vasco: 6 a 0. A partida custou o emprego de Estevam Soares, que deu lugar ao técnico Joel Santana, comandando o Botafogo pela terceira vez na carreira. A mudança deu certo e o Botafogo se recuperou ainda no Campeonato Carioca, vencendo a final da Taça contra o mesmo Vasco, por 2 a 0. Na final da Taça Rio, vitória de 2 a 1 sobre o Flamengo, com gols do argentino Herrera e do uruguaio Loco Abreu, que converteu um pênalti com ‘cavadinha’ e acabou virando ídolo do clube. Era o fim da sequência de vice-campeonatos para o Flamengo no Carioca.
Na Copa do Brasil o time acabou sendo eliminado na 2ª fase pelo Santa Cruz. Para o Campeonato Brasileiro, com a volta do meia Maicosuel e do atacante Jobson, que teve a pena reduzida, o Botafogo fez boa campanha e chegou a brigar pelo título, mas os desfalques prejudicaram a equipe na reta final, terminando a competição no 6° lugar. Nada parece ser muito fácil para o Botafogo, mas é justamente por isso que a torcida gosta tanto do time. Senão, parece que simplesmente não teria muita graça.
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