Esta você conhece de muitos jeitos, com diferentes personagens: sujeito de família boa-praça viaja à Europa, volta animado com a descoberta do futebol, põe na cabeça que vai fundar um clube e o resto é história. Pois é isso aí: o jovem era Oscar Cox, que voltou da Suíça em 1901 e decide que vai formar seu time. O que diferencia a sua agremiação da maioria das que se tornaram populares no futebol é o foco nessa modalidade. Você já viu um tanto de clubes celebrarem seu centenário antes do Fluminense, mas nenhum desses era um “football club”. O Flu, fundado em julho de 1902, foi o primeiro do País nascido especificamente como clube de futebol.
Na esteira da iniciativa do Fluminense, nasceram mais clubes de futebol no Rio de Janeiro, como o Botafogo, o América e o Bangu – todos em 1904. E demorou pouco para que surgisse, então, o Campeonato Carioca. Como pioneiro naquela história, não era de se estranhar que o Fluminense dominasse: das seis primeiras edições, entre 1906 e 11, a equipe venceu cinco, graças ao talento de gente como Edwin Cox, Horácio Costa Santos e James Calvert. Foi depois desse quinto título que uma diáspora acometeu o elenco: Edwin Cox e Bruno Schuback foram para o Rio Grande do Sul jogar no Grêmio; outro grupo foi ajudar a fundar o departamento de futebol do Flamengo. Em 1914, um dos ídolos do clube naquela era, Oswaldo Gomes, tornou-se o primeiro jogador a marcar um gol pela Seleção Brasileira – numa vitória por 2 x 0 sobre o Exeter City da Inglaterra, no próprio campo do Fluminense. O goleiro daquela equipe era Marcos Carneiro de Mendonça, também do Flu.
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Preguinho marcou época
Com a lista de adversários se tornando definitiva, a equipe continuava sendo vencedora: o tricampeonato conquistado entre 17 e 19 marcou o auge da performance do britânico Henry Welfare, que somou 137 gols. Depois daquele tricampeonato, na medida em que os outros clubes também desenvolviam departamentos de futebol organizados, as conquistas passaram a rarear um pouco mais, mas o Tricolor continuava com seu nome ligado ao pioneirismo: em 1930, no Uruguai, foi um atleta do clube o primeiro a marcar um gol pela Seleção Brasileira em Copas do Mundo. Preguinho repetiu contra a Iugoslávia uma cena que repetiria 184 vezes com a camisa do Flu. A torcida já se acostumara a que os títulos chegassem assim, em pacotes: entre 36 e 38, novamente o time dominou o Estado, graças aos gols de Hércules e ao talento de Romeu Pellicciari - que também comandou o bicampeonato 40/41 ao lado de Tim.
A conquista do chamado “supercampeonato” de 46 – que precisou de uma fase extra de desempate – marcou o momento áureo do artilheiro Ademir Menezes com a camisa do Fluminense. A fama do clube se estendia e se tornava internacional em 49, quando o Comitê Olímpico Internacional inscreveu o nome da equipe na Taça Olímpica – prêmio de honra ao mérito esportivo que até hoje nunca foi dado a nenhuma outra equipe latino-americana. Outro título que foi gigantesco na época veio três anos depois. O timaço campeão carioca de 1951 disputou no ano seguinte a Copa Rio: um torneio de oito equipes que, na época, foi encarado como uma espécie de mundial de clubes. Tendo enfrentado Sporting de Lisboa, Peñarol e, na final, o Corinthians, o Flu eternizou um esquadrão que reuniu alguns dos maiores ídolos da história da equipe, como o “Fio de Esperança” Telê Santana, o gênio Didi, o zagueiro Pinheiro, o artilheiro Orlando “Pingo de Ouro” e um dos maiores goleiros da história do País, um verdadeiro ícone que defendeu o clube durante toda a sua carreira, Castilho.
Entre meados da década de 50 e início de 60, o futebol atingiu um estágio de popularidade que justificava a criação de torneios interestaduais. Se não obteve lá grandes êxitos dentro do Rio de Janeiro – após o título de 51, o seguinte seria em 59 -, o Fluminense fez seu nome brilhar no Rio-São Paulo. Foram dois títulos, um em 57 e outro em 60, e em ambos o artilheiro da competição foi o centroavante Waldo – até hoje o maior goleador do clube em todos os tempos, com 208 gols. Quando a década de 60 começou, foi difícil torcer por outro time no Rio que não fosse o Botafogo O Fluminense conquistou dois títulos estaduais, em 64 – já com uma de suas revelações das categorias de base, um certo Carlos Alberto Torres - e 69.
Essa última equipe formou a base do time que conquistaria o Roberto Gomes Pedrosa do ano seguinte, o último torneio antes da instauração do Campeonato Brasileiro. Com Felix, Marco Antônio, Mickey, Cafuringa e Flávio, o Fluminense conquistou vaga pela primeira vez na Libertadores. Mas o maior presente que essa geração poderia ganhar veio somente trinta anos depois. Em 2010, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) decidiu unificar todas as conquistas nacionais de 1959 a 1970 e em uma canetada só distribuiu 14 títulos brasileiros. Um coube ao timaço tricolor de 1970.
O título carioca de 73 teve a marca especial de destacar uma geração quase inteiramente formada nas Laranjeiras. A garotada que continha Carlos Alberto Pintinho, Kléber, Marco Aurélio e Rubens Galaxe contou ainda com os gols de Manfrini e sobretudo com o comando do Canhotinha de Ouro Gérson, que escolheu o Fluminense para encerrar sua carreira. Boa parte daquela equipe se manteve para a conquista de um bicampeonato que entrou para a história por reunir uma das melhores formações do clube na história. O que fazia a grande diferença era Roberto Rivellino no auge de sua forma. Sob sua batuta, o que era um bom time passou a ser a Máquina Tricolor. Apesar das boas campanhas, aquela geração não conseguiu o título brasileiro - esbarrando na grande fase do imbatível Internacional-RS. O feito estava guardado para a geração que surgia.
Afinal, quando falamos do grupo que chegou à equipe principal do Fluminense no início da década de 80, não estamos falando de uma geração qualquer. O grupo que dominou o Estado no tricampeonato 83/85 não deixou dúvidas quanto a ser o melhor do País. Com a segurança do zagueiro Ricardo Gomes, o lateral-esquerdo Branco, o “casal 20” Washington e Assis, o paraguaio Romerito, além de Wilsinho, Leomir e Delei, o Flu derrotou o Vasco em dois jogos na decisão – graças a um gol de Romerito na primeira partida – e levantou a taça do Brasileirão. Vários remanescentes daquela geração ainda tiveram fôlego para mais uma boa campanha, em 88, quando o time chegou à semifinal e foi derrotado pelo Bahia, que se sagraria campeão. Já contando com Bobô e os gols de Ézio, o Flu chegou a outra semifinal em 91, vítima do Bragantino. Mas outro título mesmo, só depois de dez anos do tricampeonato carioca. Foi apenas um carioca, mas foi especial: ganho aos 42 minutos do segundo tempo, contra o Flamengo, num gol marcado com a barriga por Renato Gaúcho – um ex-ídolo do rival. Mereceu uma comemoração ensandecida da torcida, que parecia prever a seqüência de agruras que estava a caminho.
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Renato Gaúcho comandou o Fluminense no título carioca de 1995
Para quem é Tricolor doente, melhor nem lembrar da parte que vem agora. Começou no Brasileiro de 96: o clube fez uma campanha desastrosa e foi rebaixado para a série B. Aliás, “foi” coisa nenhuma. Numa reviravolta para abafar o escândalo de arbitragem que ficou famoso como “caso Ivens Mendes”, a CBF aumentou o número de clubes e simplesmente não houve rebaixamento. Aliás, “não houve” coisa nenhuma. Só demorou um ano a mais: em 97, com um time tão fraco quanto o do ano anterior, o Fluminense mais uma vez terminou entre os piores e foi, de verdade, mandado para a série B. Na esperança de que ter história fosse o suficiente para garantir o acesso, o clube permaneceu com um elenco que não apenas não era de elite como sequer merecia respeito na segunda divisão. O clube ficou atrás de Joinville, ABC, Paysandu e CRB em seu grupo e, para incredulidade geral, caiu de novo. A torcida não sabia se ficava irritada ou envergonhada: o Fluminense, tantas vezes campeão, estava na terceira divisão.
Entrou para a história a disposição de Carlos Alberto Parreira, técnico que já havia sido campeão brasileiro com o Flu em 1984 e, àquela altura, campeão mundial com a Seleção de 94. Ele aceitou dirigir o time na Série C de 1999. Com Roni e Magno Alves como dupla de ataque e com revelações como Marco Brito e, principalmente, o meia Roger, o Tricolor voltou a conquistar uma taça – ainda que se tratasse de uma que todos preferiam nem ter disputado. O ano foi histórico também por outro motivo: a inauguração do Vale das Laranjeiras, no distrito de Xerém, em Duque de Caxias. Lá, o clube tinha a estrutura ideal para investir naquilo que seria a salvação de seu futuro, as divisões de base.
Só que no futebol do Brasil é impossível contar com a lógica para relatar uma história. Aquele deveria ter sido o primeiro passo do Fluminense rumo à elite, afinal, ainda faltava uma divisão para conquistar. Mas não do lado de cá do Equador: aqui, a série A do ano 2000 não existiu, e o que contou como Brasileiro foi a “Copa João Havelange”, gerenciada pelo Clube dos 13. E, claro, já que quem organiza são os clubes grandes, como deixar de fora um... clube grande. O Fluminense disputou o torneio daquele ano e fez um papel razoável: caiu nas oitavas-de-final diante do São Caetano e teve em Magno Alves o artilheiro da competição, ao lado de Dill e de Romário. Para terminar de virar a mesa em 180º, no ano seguinte, retomado o Brasileiro, ninguém quis nem saber de retornar com o Fluzão à série B. Ficou tudo por isso mesmo, e a bela história do Tricolor ganhou para sempre um incômodo asterisco.
Desnecessário dizer que, durante esse calvário, também não veio nenhum título estadual. As conquistas só voltaram em 2002 e, com mais gosto, em 2005 – o 30º título carioca da história. Naquele mesmo ano, a equipe de Gabriel, Tuta e Carlos Alberto chegou à final da Copa do Brasil. Daquela vez, contra o Paulista de Jundiaí, o título não veio. Mas, dois anos depois, a garotada formada em Xerém não decepcionou: com gol decisivo de Roger, o Flu derrotou o Figueirense na decisão e conseguiu vaga na Libertadores de 2008. Para não deixar dúvida, o time dos Bolas de Prata Thiago Silva e Thiago Neves terminou o Brasileiro em 4º lugar e deixou claro: é, de novo, um dos mais fortes do Brasil.
A comprovação veio no ano seguinte. Com uma campanha sensacional, o Fluminense despachou em sequência Nacional (URU), São Paulo e Boca Juniors (ARG), três ex-campeões, para chegar pela primeira vez na final da Libertadores contra a desconhecida LDU, do Equador. Mas o que era para ser uma festa acabou se tornando a maior frustração da centenária história do Fluminense. Depois de perder a primeira partida por 4 a 2, na altitude de Quito, o time comandado por Renato Gaúcho venceu o jogo de volta, no Maracanã, por 3 a 1, com três gols de Thiago Neves, e levou a decisão para a prorrogação. Sem um vitorioso no tempo extra, a partida foi decidida nos pênaltis. Apesar de tudo conspirar a favor do clube das Laranjeiras, os equatorianos foram mais frios e venceram por 3 a 1.
Em 2009, mais um frustração e novamente para a LDU. Desta vez, na final da Sul-Americana. Sob o comando do atacante Fred, o Fluminense mais uma vez sentiu a altitude de Quito e foi goleado por 5 a 1, na primeira partida. No jogo de volta, o time de Cuca precisava de uma vitória por quatro gols para levar a decisão para a prorrogação. Com grande atuação de Diguinho e Gum, a equipe chegou a fazer 3 a 0, mas perdeu Fred, expulso, a dez minutos do fim e não impediu mais uma festa equatoriana no Maracanã. De bom na temporada, apenas a sensacional arrancada na luta contra o rebaixamento que começou a construir o Time de Guerreiros.
Sonho de consumo da diretoria tricolor desde 2006, finalmente Muricy Ramalho desembarcava nas Laranjeiras para fazer o Fluminense voltar a ser um clube vitorioso. O projeto era de médio a longo prazo, mas com o talento do treinador tricampeão brasileiro pelo São Paulo somado a um elenco de estrelas com Fred, Emerson, Deco e Conca, o resultado veio antes do que se imaginava. Comandado pelo argentino Darío Conca, que se tornou o único jogador de linha a participar de todas as partidas de um Campeonato Brasileiro, o Fluminense bateu o Guarani por 1 a 0, no Engenhão, com um gol do ex-rubro-negro Emerson, e conquistou o bicampeonato brasileiro.
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Argentino Darío Conca foi o principal nome do título brasileiro de 2010
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