O Vasco da Gama é mais um daqueles times de futebol do Rio de Janeiro que nasceu antes mesmo de o futebol emplacar por aqui. Nasceu, aliás, para outros fins; para o remo – esse sim popular na época. Naqueles últimos anos do século 19, foi o cansaço por ter que viajar até Niterói todos os finais de semana, para remar no Club Gragoatá, que levou os garotos Henrique Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre d’Avelar Rodrigues e Manuel Teixeira de Souza Júnior a levar adiante a idéia de montar uma agremiação junto a outros descendentes de portugueses: em 21 de agosto de 1898, levando o nome de um dos heróis da pátria-mãe, foi fundado o Club de Regatas Vasco da Gama.
Durante mais de uma década, o clube se prestou unicamente àquilo que seu nome prometia: regatas. Foi depois que um combinado de jogadores de futebol portugueses veio ao Rio de Janeiro a convite do Botafogo, em 1913, que a colônia passou a se interessar pelo esporte. Criou-se o clube Lusitânia – que só aceitava portugueses legítimos em seus quadros, algo que impedia sua presença na Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA). Após muita negociação, o Vasco absorveu o Lusitânia e, em 26 de novembro de 1915, nasceu o futebol no clube.
Durante anos, os cruzmaltinos (que, aliás, não usam a Cruz de Malta, mas sim a Cruz da Ordem de Cristo) foram coadjuvantes no futebol do Rio de Janeiro. O acesso à primeira divisão chegou em 1922, quando o time de Claudionor e Cardoso Pires derrotou o Carioca por 8 x 3 e levantou seu primeiro troféu, o da Taça Constantino. Não foi uma conquista fortuita: no ano seguinte, o time repleto de operários e de negros – enquanto a maioria dos rivais era de descendentes de europeus – e com um preparo físico muito superior à média da época, desbancou equipes que vinham tendo sucesso, como Fluminense, América, São Cristóvão e o antigo rival de regatas, o Flamengo, e se sagrou campeão em sua primeira participação na primeira divisão, graças aos gols de Cecy e Negrito. Foi naquele ano que os “camisas pretas” instituíram o pagamento de “bicho” – a retribuição por vitórias. Como o futebol era amador e os atletas não podiam receber dinheiro, os portugueses que apostavam nos triunfos vascaínos criaram uma tabela que dava para cada jogador um animal, de acordo com o grau do adversário derrotado: vitória sobre o América valia uma vaca; sobre o Fluminense, duas ovelhas e um porco. No ano seguinte, uma manobra com cara de discriminatória acusou o Vasco de profissionalismo (e suspendeu justamente seus jogadores negros e operários) e de não ter um campo em condições de receber jogos do torneio. O time foi obrigado a disputar o fraco campeonato da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, que venceu com tranqüilidade.
De volta à LMSA no ano seguinte, o Vasco teve a consciência de reconhecer a importância de ter o seu próprio campo de dimensões respeitáveis – coisa que até 2007 foi exclusividade sua no Rio de Janeiro, quando o Botafogo passou a administrar o Engenhão. Uma campanha de arrecadação permitiu que, em 1927, o estádio se tornasse realidade: até a inauguração do Pacaembu, em 1941, aquele seria o maior estádio do País. Crescendo em qualidade e fama dentro de campo outra vez, em 1931 o Vasco se tornou o primeiro clube carioca a ser convidado para uma excursão ao exterior – Portugal e Espanha. Reforçados por Nilo, Carvalho Leite e Benedito (emprestados pelo Botafogo) e Fernando (Fluminense), os vascaínos tiveram tanto sucesso que voltaram sem dois craques: Fausto e Jaguaré, ambos contratados pelo Barcelona. Durante aqueles anos, as várias instituições que regiam (ou pretendiam reger) o futebol do Rio de Janeiro entraram em atrito e, em várias ocasiões, houve mais de um campeonato estadual disputado. A reconciliação geral veio em 1937, quando Vasco e América – cada um até então de uma corrente – comemoraram com o “Clássico da Paz” a criação da Liga de Football do Rio de Janeiro, que juntava todos os clubes médios e grandes.
Diante da força dos rivais da época, os cruzmaltinos se deram conta de que, naqueles tempos que já eram de profissionalismo, uma saída para conseguir vitórias era investir na contratação de jogadores. Foi trazendo gente como Augusto (São Cristóvão), Eli (Canto do Rio), Lelé, Isaías e Jair (Madureira), Danilo (América) e principalmente o atacante Ademir (Sport de Recife) que o Vasco montou o time campeão de 45 – ano em que Ondino Vieira, após passagem pelo River Plate, decidiu instaurar a faixa diagonal na camisa.
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Time do Vasco conhecido como "Expresso da Vitória"
O tempo dos “camisas pretas” era coisa do passado. Mas estava nascendo outro apelido, que se tornaria ainda mais notório: criava-se a base para o “Expresso da Vitória”. Sob o comando de Flávio Costa, com Djalma, Maneca, Friaça, Chico, a equipe marcou 40 gols em dez partidas e, invicta, foi campeã com sete pontos a mais do que o Botafogo de Heleno de Freitas. O título valeu aos vascaínos o convite para participar do Torneio dos Campeões Sul-Americanos, no Chile, no ano seguinte: contra o Nacional de Atílio Garcia e o River Plate de Di Stéfano, Barbosa brilhou e o Vasco se tornou o primeiro clube brasileiro a conquistar um título internacional. Com aquela base, mais a arrojada contratação de Heleno de Freitas, o Vasco de 49 foi uma covardia: 84 gols em 20 jogos e novo título invicto. O time foi a base da Seleção que esteve a um passo de ganhar a Copa de 50 – da qual Ademir foi o artilheiro. Era apenas o primeiro artilheiro de Copa do Mundo saído do clube: oito anos depois, quando o Brasil conquistou seu primeiro título mundial, na Suécia, os vascaínos tiveram participação decisiva: Bellini foi o primeiro brasileiro a levantar a taça Jules Rimet e Vavá foi o artilheiro do torneio. Naquele mesmo ano, quando o futebol se tornou uma verdadeira coqueluche no País, o Vasco conquistou o “super-supercampeonato”: após um empate tríplice, superou Flamengo e Botafogo para ficar com o título. Foi a última conquista antes de dias difíceis durante a década de 60, em que o Botafogo dominou o futebol do Estado.
O começo da nova década trouxe o movimento de volta à sala de troféus de São Januário: com Andrada, Buglê, Silva Batuta e Gilson Nunes, o Vasco superou o Fluminense e se sagrou campeão carioca. Começava a se formar o time que em breve traria a maior glória do clube até então. Faltava uma peça fundamental, que durante muitos anos seria sinônimo do clube, Roberto Dinamite. Um dos maiores centroavantes que o Brasil já teve, Dinamite era a alma da equipe comandada por Mário Travaglini, que ainda tinha Zanata, Alcir, Ademir e Jorginho Carvoeiro. Foi este último, aliás, que marcou o gol do título Brasileiro de 74 contra o Cruzeiro de Palhinha e Dirceu Lopes. Alguns membros daquela equipe – sobretudo Roberto - ficaram para o título estadual de 77, com Mazarópi e Dirceu. E em 82, Dinamite voltou a ser o comandante do ataque de uma equipe campeã do Estado que começava a tomar forma para vôos maiores.
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Roberto Dinamite (esquerda) brilhou com a camisa do Vasco
Durante uma temporada, a de 87, o Vasco juntou dois de seus maiores atacantes: Roberto Dinamite e Romário. Ao lado de Acácio, Dunga, Mazinho, Geovani e Tita, eles deram o primeiro passo para o bicampeonato, que foi conquistado já sem Dinamite, mas com Bismarck, Zé do Carmo e um gol espírita, zen-budista e hinduísta do lateral reserva Cocada. Era um talento atrás do outro chegando ao clube e garantindo força o suficiente para o bicampeonato brasileiro: com Luís Carlos Winck, Boiadeiro, William, o artilheiro Sorato e o craque Bebeto, estava montada a equipe que derrubaria o São Paulo em pleno Morumbi e garantiria o segundo título nacional para os cruzmaltinos. Melhor equipe do Brasil, o Vasco seguiria mantendo o nível nos anos seguintes: com Valdir no comando do ataque, veio o título estadual de 92, que marcou a despedida de Roberto Dinamite – depois de 698 gols em mais de 1000 jogos com a camisa cruzmaltina. Aquele foi o primeiro troféu de um tricampeonato histórico, conquistado com gol de Jardel, que ficou marcado em 1994 pelo desastre automobilístico com Dener – cuja passagem foi tão brilhante quanto curta.
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Vasco campeão da Libertadores em 1998
Depois daquele tricampeonato, o Vasco começou a montar outro grande time usando algumas daquelas peças – como Luisinho e Carlos Germano -, mas sobretudo resgatando (ou apresentando ao Brasil) mais uma leva de talentos chamativos e indiscutíveis: foi assim, com espetáculo de sobra, que Pedrinho, Mauro Galvão, Ramón, Felipe, Juninho Pernambucano e principalmente o Animal Edmundo, em sua segunda passagem pelo clube, conquistaram o tricampeonato brasileiro, que foi também a esperada passagem para conquistar a América: já campeão estadual no ano de seu centenário, o Vasco perdeu Edmundo, mas reforçou seu ataque com Donizete e Luizão, justamente os autores dos gols da vitória por 2 x 1 sobre o Barcelona de Guayaquil, que valeu aos cruzmaltinos a primeira Libertadores da América de sua história. O título histórico veio no ano do centenário do clube.
Os anos 2000 poderiam ter acabado naquele ano mesmo, que os vascaínos já teriam tido emoção o suficiente. Começou com o vice-campeonato no primeiro Mundial de Clubes da FIFA, perdido nos pênaltis para o Corinthians, no Maracanã. Depois, sem Edmundo, mas com a volta de Romário; com Hélton no gol e Juninho Paulista para fazer companhia ao xará pernambucano, o Vasco consolidou seu renome no continente ao vencer uma das finais mais emocionantes da história do futebol brasileiro. No terceiro e decisivo jogo da Copa Mercosul do ano 2000, no estádio Palestra Itália, o Palmeiras fez um primeiro tempo invejável e abriu 3 x 0. Foi o bastante para a torcida passar o intervalo cantando sua vitória. Mas, então, os vascaínos começaram a reação: primeiro discreta, depois colocando fogo no jogo. Com três gols do Baixinho e uma atuação impecável de Juninho Paulista, o time virou o jogo para 4 x 3 e entrou com ainda mais moral para a fase decisiva da Copa João Havelange – o Brasileirão daquele ano. Diante de um surpreendente São Caetano, o Vasco sofreu, viu o alambrado de São Januário desabar e uma terceira partida ser marcada: com um 3 x 1 no Maracanã, o time igualou o número oficial do Flamengo: era tetracampeão brasileiro.
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Edmundo e Romário marcaram época com a camisa cruzmaltina
Quase todos os nomes daquele time foram parar em equipes do exterior, e o Vasco viveu desde então uma década difícil. Após o tetra brasileiro, os vascaínos tiveram poucos motivos para comemorar e muitos para chorar. O lado bom veio com o título estadual de 2003 e a jornada de Romário em busca dos 1000 gols, de acordo com suas contas. Em 2007, ele marcou o tento histórico, de pênalti, contra o Sport. No mesmo ano, o “Baixinho” anunciou a sua aposentadoria. E foi só.
As lágrimas começaram a aparecer no ano seguinte: com Roberto Dinamite na presidência do clube, veio o rebaixamento para a segunda divisão do futebol nacional. A 18º colocação no Campeonato Brasileiro de 2008 foi confirmada após uma derrota para o Vitória e obrigou o time a se reconstruir na Série B. Em 2009, o técnico Dorival Júnior foi contratado para conquistar o acesso e não falhou em sua missão: com um time reformulado que demorou a engrenar, baseado no talento e na liderança de Carlos Alberto, o Vasco não só confirmou o retorno à primeira divisão com quatro rodadas de antecedência como também faturou o título. A torcida, que fez bonitas festas aos sábados no Maracanã, enfim voltou a respirar aliviada. Em 2010, a missão seria consolidar essa recuperação e não ser rebaixado novamente – objetivo que o Vasco conseguiu sem maiores problemas, com uma campanha discreta e sem sustos no Campeonato Brasileiro. Agora o time enfim pode sonhar com algo mais relacionado à sua história vitoriosa.
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