terça-feira, 8 de abril de 2014

João Pimentel: E minha vida, onde é que está?

João Pimentel: E minha vida, onde é que está?

A constatação de que caminhamos a esmo é o primeiro passo para buscarmos outras aventuras

O DIA
A constatação de que caminhamos a esmo é o primeiro passo para buscarmos outras aventuras
Foto:  Agência O Dia
Rio - Foi na volta de uma viagem dessas, em que sentamos no rio e rezamos para a água levar embora nossas dúvidas e decepções e trazer paz e esperança, que ouvi a canção ‘Tá na Hora’, de Raul Seixas e Paulo Coelho. A música faz parte do disco ‘Mata Virgem’, de 1978, o oitavo de Raulzito e o último que trazia inéditas da parceria. O disco, se eu não me engano, nunca saiu em CD. A cópia que eu tenho ganhei de presente de Kika Seixas, ex-mulher do roqueiro.
Curioso como muitas músicas passam pela gente sem que prestemos a atenção necessária. Como se elas tivessem o tempo certo para uma real compreensão, como se esse encontro canção/ouvinte tivesse lugar e hora marcada. Pois foi em um momento em que movia mais uma peça no xadrez da vida, que resolvi dar mais uma guinada na direção do barco do destino que me deparei com o desabafo libertário, com a constatação de que nós podemos sim dar as cartas do baralho antes que seja tarde.
Com sua linguagem direta e única, que faz dele um artista admirado por gerações e gerações de jovens, Raul é a expressão máxima da indignação, do não-conformismo. Talvez por isso, sua obra tenha a marca da atemporalidade.
Nesse rock-rumba-salsa, ele põe o dedo na ferida do sistema, das possibilidades de domínio sobre a nossa própria vida em um mundo que vem pronto e embalado para consumo. “Andei durante dez anos fazendo planos para falar/ Com seres vindos do espaço com a resposta para me dar/ Porém quando estava pronto para o contato, minha pequena/ Me disse você vai ver tudo no cinema.” Aí vem a pergunta que não quer calar: “Onde está a experiência?” Resposta na sequência: “Já te entregam tudo pronto/ Sempre em nome da ciência, sempre em troca da vivência”. Broxante.
Isso! A música trata das broxadas que nos são impostas goela abaixo se não pararmos para pensar. “Durante a vida inteira eu trabalhei para me aposentar/ Paguei seguro de vida para morrer sem me aporrinhar/ Depois de tanto esforço patrão me deu caneta de ouro/ Dizendo enfia no bolso e vá se virar.”
Não é fácil seguir as dicas do Raul. Mesmo nos anos 70, da geração paz e amor, já não devia ser. De perto ninguém é normal. Mas que podemos fazer um esforço para sairmos do lugar comum, do caminho mais fácil, com começo, meio e fim previstos, ah isso podemos se o destino for a felicidade. Ou a busca dela.
A constatação de que caminhamos a esmo, que vivemos ao acaso, que a vida está em ponto morto é o primeiro passo para buscarmos outras aventuras. E elas estão por aí, doidas para serem vividas. Vale o esforço, conversar com os amigos, levar para o divã ou sentar numa pedra, na beira do rio, e tentar um contato qualquer como faria Raulzito.
Mas é preciso movimento, se não o destino está descrito no fim da canção, no fim do caminho: “Tá na hora da velhice/ Tá na hora de deitar/ Tá na hora da cadeira de balanço, do pijama, do remédio pra tomar/ Oh! Divina providência/ E a minha independência? / E a minha vida, onde é que está?” Para terminar um conselho do Maluco Beleza: “Você já foi ao espelho, nêgo? Não? Então vá!”

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