sábado, 10 de agosto de 2013

Dor de herói

Dor de herói

Pesquisa mostra, que apesar da imagem de homens destemidos, bombeiros do Rio podem sofrer com pelo menos três síndromes causadas pela pressão do trabalho. Uma delas é a fadiga da compaixão

BEATRIZ SALOMÃO
Rio - Bombeiros: super-heróis do mundo real, mestres em salvar vidas e presentes em situações que vão de acidente de carro a tragédias ambientais. Porém, por trás da farda e da imagem de invencíveis, há pessoas suscetíveis a sentimentos de ‘gente comum’. Pesquisa com 20 bombeiros do Rio de Janeiro revelou sinais de estresse e de transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho. 

Participaram do estudo militares em atividade de diversas patentes e de ambos os sexos. Além do desgaste psicológico, encontrado em todos os bombeiros, foram identificados casos da Síndrome de Burnout, do transtorno de estresse pós-traumático e da fadiga da compaixão (redução desse tipo de sentimento). 

Os dados, coletados em 2011, integram a tese de doutorado ‘A análise da relação trabalho e saúde na atividade dos bombeiros militares do Rio de Janeiro’, da psicóloga Kátia Maria Oliveira de Souza, do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz. Durante as entrevistas, foram expostas fotos de bombeiros em atividade. O mecanismo gerou identificação dos profissionais e serviu de estímulo para que eles narrassem a própria trajetória. “Eles são vistos como bravos e guerreiros e a imagem de herói contribui para que as consequências do trabalho na saúde fiquem escondidas”, aponta. 

IRRITABILIDADE, PESSIMISMO, DEPRESSÃO

Há ligação direta entre as síndromes identificadas e o trabalho na corporação, já que profissionais das áreas de saúde, educação e serviços assistenciais compõem o grupo de risco para esse tipo de problema. Teng Chei Tung, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, explica que o principal traço do Burnout é o esgotamento emocional devido ao trabalho. Os sintomas incluem irritabilidade, insatisfação com a vida, pessimismo e, em alguns casos, depressão.
Bombeiros sofrem com síndromes, revela estudo
Foto:  Severino Silva / Agência O Dia


Segundo o psiquiatra, a fadiga da compaixão é um efeito do Burnout e seria uma espécie de defesa. “ No caso dos bombeiros, depois de tanto trabalhar em situações adversas, ele acaba ficando anestesiado. Não sofre tanto diante de algo ruim”. Ao contrário da Síndrome de Burnout, que é um problema de esgotamento crônico, o estresse pós-traumático consiste em uma situação de luto causada por um evento negativo, como acidente grave ou morte.

Os sinais (apatia, depressão e isolamento social) devem permanecer por mais de seis meses. Teng ressalta que o problema causa, inclusive, alterações físicas no cérebro, como a morte de neurônios. “Em muitos casos, pessoas que sofrem com esses transtornos fazem uso de álcool e drogas para amenizar o sofrimento”, declara. Dieta saudável e equilíbrio entre lazer e trabalho ajudam a evitar os transtornos.

Terapia para lidar com rotina hospitalar

Profissionais da rede estadual de saúde, como médicos e enfermeiros, contam com tratamento psicológico. O Hospital Estadual Albert Schweitzer, em Realengo, é a unidade de referência para a prevenção de estresse ligado ao trabalho. Além da terapia, há sessões de acupuntura e shiatsu.

Segundo a Secretaria estadual de Saúde, são cerca de 500 atendimentos por mês. A equipe é composta por especialistas em psiquiatria, psicologia, cardiologia, fisiatria (medicina física e reabilitação), nutrição e fisioterapia.

De acordo com a psicóloga da unidade, Bárbara Rocha, os profissionais que mais apresentam transtornos são os técnicos de enfermagem, seguidos por enfermeiros, médicos e assistentes sociais. “O serviço trata, principalmente, do sofrimento psíquico, ocasionado pelo dia a dia no hospital. Nas sessões, o profissional é convidado a falar sobre si mesmo e sobre o motivo do estresse”, disse.

Os problemas mais comuns são ansiedade e depressão. Há ainda casos de dificuldade de adaptação à rotina hospitalar. “Os principais relatos estão relacionados às dificuldades de lidar com o sofrimento, com a dor e com a morte de pacientes”, descreve.

'É PRECISO SE VER COMO SER HUMANO'
TENENTE-CORONEL PATRÍCIA FIGUEIREDO, PSICÓLOGA DO CORPO DE BOMBEIROS
Tenente-coronel Patrícia Figueiredo
Foto:  Divulgação
Em 2012, o Corpo de Bombeiros iniciou um treinamento especial com comandantes. Nada sobre salvamentos. O assunto foi como identificar alterações psíquicas relacionadas ao trabalho. Na corporação há 11 anos, a tenente-coronel Patrícia Figueiredo conta que o grande desafio é sensibilizar os bombeiros sobre a necessidade de lidar de forma ‘humana’ com a tensão.
1. Por que iniciar o acompanhamento psicológico?
— Temos uma realidade que envolve imprevistos e estresse. E esse estresse pode virar doença. Trata-se de um trabalho preventivo para evitar Burnout e estresse pós-traumático nos bombeiros.
2. O que já foi feito?
— Capacitamos comandantes para identificarem problemas psicológicos. Temos no hospital da corporação um espaço para tratar casos diagnosticados como transtornos.
3. Que tipo de tratamento é oferecido aos profissionais?
— Temos terapia individual e em grupo. O primeiro grupo foi formado em maio com 10 bombeiros. A maioria trabalha em resgate aéreo e rabecão, situações de grande estresse. São feitos dez encontros com duas horas cada.
4. Quais são os resultados?
— Há grande melhora individual e na corporação. Promovemos o bem estar do bombeiro, o que evita que haja baixa produtividade.
5. A imagem de herói que eles têm é uma pressão extra no trabalho?
— Sim. Eles usam farda e salvam vidas, mas por trás disso há um ser humano. É importante que eles próprios se exerguem assim.


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