Moacyr Luz: A sereia da enseada
Numa feira livre de Ipanema, identifico, boquiaberto, a sensacional cantora Dionne Warwick comprando umas sardinhas na barraca miúda
Rio - O Brasil jogando em Brasília, festas para o Dia do Funcionário Público Aposentado, e eu com a cabeça no Rio de Janeiro. Noel Rosa a chamou de cidade-mulher, Paulo da Portela, também. Dois sambas pra essa sereia de canto e feitiço.
Às vezes, viagens diversas, você encontra guetos emprestados de países vizinhos, um muro invisível preservando costumes. Em São Paulo, metrópole das maiores, tem bairro e estação de trem, japoneses: Liberdade. Na mesma capital, pode-se conviver na Armênia, ou ‘manjare’ no Bexiga, norte-euroupeu ou latinos do continente no mesmo ramal.
Noutros tantos lugares nessa demografia brasileira, vivem hábitos alemães ou turcos, sem sair do nosso hemisfério. São emigrantes de tirolês, burcas e casacas pretas, ortodoxos quase cena de cinema. Daí, janelas abertas no azul de outono, sopra uma certeza: no Rio de Janeiro é sempre diferente.
Outro dia, encontrei com o querido Carlinhos Laguna, dono do Adelos, belo bar na Rua do Mercado. Português castiço, lisboeta carregado no sotaque, justifica a pressa em se despedir:
— Vou ensaiar agora com o Monobloco! Toco cuíca no grupo!
Quase desmaiei. Confesso que há tempos tive o mesmo indicativo isquêmico, comovido com o seu desfile solitário numa ala do Império Serrano. O cartunista Lan, um dos meus grandes amigos, é italiano da Toscana, mas o coração é caipirinha, mulatas e samba. Íntimo do craque Zeca Pagodinho, faixa com o meu mestre Jaguar, ‘tá’ mais pra genética do Madame Satã do que para a elegância de Marcelo Mastroianni.
Histórias que confirmam a diferença deste pedaço de mundo. Sou um homem a pé. Não sei dirigir, buzinar, nem procurar vaga pra estacionar perto do bar. As andanças, nada relacionadas à circulação das pernas, aeróbicas ou outras necessidades que desconheço, trazem belas cenas de cotidiano.
Numa feira livre de Ipanema, identifico, boquiaberto, a sensacional cantora Dionne Warwick comprando umas sardinhas na barraca miúda, já eviscerada e aberta pra afinar o paladar. O peixeiro ainda tira onda:
— Leva a do gato, Diô!
O mavioso Johnny Mathis cantou no Tem Tudo de Madureira num arroubo de paixão aos nativos. Sucesso em todo o mundo, Johnny por pouco não vem de mala e cuia pros chalés litorâneos, assim como Jim Capaldi, que dedicou seus últimos anos de vida às calçadas da Zona Sul.
Engrossando a alfândega, o gatuno londrino Ronald Biggs descarrilou o trem pagador pra subir impune o estribo do bonde de Santa Teresa. Só retornou ao chá das cinco quando a sandália havaiana já soltara as tiras, de velha.
Mesmo quando a sereia da enseada amanhece entre balas perdidas, sufocada no lixo da baía, o mar recua. É essa maré que molda a pedra da nossa identidade. Viramos todos cariocas.
Às vezes, viagens diversas, você encontra guetos emprestados de países vizinhos, um muro invisível preservando costumes. Em São Paulo, metrópole das maiores, tem bairro e estação de trem, japoneses: Liberdade. Na mesma capital, pode-se conviver na Armênia, ou ‘manjare’ no Bexiga, norte-euroupeu ou latinos do continente no mesmo ramal.
Noutros tantos lugares nessa demografia brasileira, vivem hábitos alemães ou turcos, sem sair do nosso hemisfério. São emigrantes de tirolês, burcas e casacas pretas, ortodoxos quase cena de cinema. Daí, janelas abertas no azul de outono, sopra uma certeza: no Rio de Janeiro é sempre diferente.
Outro dia, encontrei com o querido Carlinhos Laguna, dono do Adelos, belo bar na Rua do Mercado. Português castiço, lisboeta carregado no sotaque, justifica a pressa em se despedir:
— Vou ensaiar agora com o Monobloco! Toco cuíca no grupo!
Quase desmaiei. Confesso que há tempos tive o mesmo indicativo isquêmico, comovido com o seu desfile solitário numa ala do Império Serrano. O cartunista Lan, um dos meus grandes amigos, é italiano da Toscana, mas o coração é caipirinha, mulatas e samba. Íntimo do craque Zeca Pagodinho, faixa com o meu mestre Jaguar, ‘tá’ mais pra genética do Madame Satã do que para a elegância de Marcelo Mastroianni.
Histórias que confirmam a diferença deste pedaço de mundo. Sou um homem a pé. Não sei dirigir, buzinar, nem procurar vaga pra estacionar perto do bar. As andanças, nada relacionadas à circulação das pernas, aeróbicas ou outras necessidades que desconheço, trazem belas cenas de cotidiano.
Numa feira livre de Ipanema, identifico, boquiaberto, a sensacional cantora Dionne Warwick comprando umas sardinhas na barraca miúda, já eviscerada e aberta pra afinar o paladar. O peixeiro ainda tira onda:
— Leva a do gato, Diô!
O mavioso Johnny Mathis cantou no Tem Tudo de Madureira num arroubo de paixão aos nativos. Sucesso em todo o mundo, Johnny por pouco não vem de mala e cuia pros chalés litorâneos, assim como Jim Capaldi, que dedicou seus últimos anos de vida às calçadas da Zona Sul.
Engrossando a alfândega, o gatuno londrino Ronald Biggs descarrilou o trem pagador pra subir impune o estribo do bonde de Santa Teresa. Só retornou ao chá das cinco quando a sandália havaiana já soltara as tiras, de velha.
Mesmo quando a sereia da enseada amanhece entre balas perdidas, sufocada no lixo da baía, o mar recua. É essa maré que molda a pedra da nossa identidade. Viramos todos cariocas.
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