Rio -  Eles me contam que é muito comum na floresta as meninas de 9 anos já estarem formadas, com peitos e quadris de mulher adulta. Relatam que muitas vezes vem delas o desejo de praticar sexo, que elas se insinuam para os adultos. Eu aguardo atentamente eles acabarem esta introdução, dada em forma de piada, para que nossa mesa só de homens risse da historia do amigo deles, que tinha transado com uma garota de 9 e uma mulher de 70, lá pelas bandas de uma Amazônia inatingível, para abrir o maior leque possível de experiências em vida. Todos adultos em sã consciência. Sã?
Aproveitei uns segundos de silêncio depois dos risos e disse: não é das garotas que espero limites morais. É do adulto da cidade, que teve acesso às informações e sabe exatamente o quanto o ato de possuir sexualmente uma criança é condenável. Acredito que as garotas que moram numa aldeia sem luz, sem televisão, sem acesso às informações despertem cedo para o sexo, talvez a única diversão, o único sobressalto em suas vidas. Talvez para elas esta seja a única ponte para conseguir algo, não sei. Também acho coerente se as regras culturais da aldeia delas considerar cabível o sexo consensual entre a menina de 9 anos e um jovem de 14 ou 19 anos. Quem sou eu para legislar sobre a cultura dos povos da floresta? Mas o que me arrepia é que nós, os chamados “civilizados”, não tenhamos travas que nos impeçam de prosseguir, mesmo que aquilo seja considerado normal pelos ditos “selvagens”. Não, isto não pode nos apaziguar ou reduzir nossa culpa, porque nós não pertencemos àquela aldeia, àquela cultura. Isto tem que ficar entre eles, ser praticado por aqueles cujas regras são estas.
Imaginem o silêncio na mesa! Quando percebi, todos já estavam submersos neste papel do lobo mau desalmado, que até então não tinha ouvido uma voz dissonante, que questionasse de que lado deve estar o impedimento moral. Vivemos num planeta ridículo, que abusa de suas crianças, muitas pobres e consideradas sem alma. Todos devemos gritar contra a prostituição infantil e apontar o dedo bem na cara de quem espera jogar a culpa em cima dos infantes, porque estariam precoces e querendo tal coisa. Endinheirados flagrados parando seus iates em aldeias ribeirinhas e trazendo a bordo jovens para bacanais. Meninos de rua no Rio, das favelas ou das baixadas, fazendo coisas por R$ 10. Poderiam ser nossos afilhados, nossos filhos e netos. E, se não são, são semelhantes. Me parece que uma das molas propulsoras desta atrocidade é o machismo da sociedade, que ri e tenta naturalizar a posse do corpo do outro, desvalido na idade e na formação, vítima da miséria...
Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura