'Porta de saída' do Bolsa Família existe, mas ainda é estreita
Governo aponta o ensino técnico como uma das opções para autonomia das famílias. Meta é que até o final de 2014, um milhão de beneficiários estejam capacitados
Rio - Em abrangência e volume de investimentos governamentais, o Bolsa Família se transformou no maior programa social do país. Passados 10 anos de funcionamento, cerca de 1,7 milhão de famílias deixaram de receber o benefício por terem conseguido elevar sua renda, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Na visão de especialistas, entretanto, a chamada "porta de saída" do programa de transferência de renda ainda é estreita e precisa ser melhor qualificada pelo governo.
A saída que o governo aponta para esses beneficiários é a qualificação profissional, tanto é que criou uma versão do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) voltada especificamente para os beneficiários do Brasil Sem Miséria, subprograma que está inserido no Bolsa Família e que atinge a população ainda mais vulnerável. Essa opção, ao contrário das demais modalidades do Pronatec - que são geridas ou pelo Ministério da Educação (MEC) ou pela pasta do Trabalho e Emprego -, é coordenada pelo MDS. No início deste ano, de acordo com dados do MDS, 267 mil pessoas beneficiárias do programa Bolsa Família se matricularam em 416 cursos técnicos do programa. A meta é que, até o final de 2014, o Pronatec atenda um milhão de beneficiários do Bolsa Família.
Além dos cursos profissionalizantes, o governo tem se empenhado em identificar os beneficiários do Bolsa Família que acabam abrindo pequenos negócios por conta própria. Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) cruzou dados do Bolsa Família com o cadastro dos Microempreendedores Individuais (MEIs), política implantada em 2008, com objetivo de tirar empreendedores da informalidade. De acordo com o estudo, após dois anos de vigência, R$ 2,8 milhões de empreendedores aderiram ao programa. Desses, mais de 102.627 pessoas, ou seja 7,3% do total, eram beneficiários do Bolsa Família.
Para o diretor do Ipea e ministro interino na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), Marcelo Neri, o estudo “rejeita o efeito de informalidade do programa” e aponta mais uma alternativa buscada pelos beneficiários para melhorar sua condição de vida e deixar de depender do governo. “O que se chama de efeito preguiça, do ponto de vista estatístico, não é corroborado por esse estudo”, disse Neri, em entrevista ao iG.
A atividade mais exercida pelos empreendedores do Bolsa Família está ligada ao comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios. Quase 11 mil beneficiários do programa exercem essa atividade, o que representa 10,5 % do total. A segunda atividade mais exercida é a de cabeleireiro que comporta 7,5 mil pessoas nesta função. Em seguida estão os comerciantes varejistas, com predominância de produtos alimentícios, os chamados “minimercados” que ocupam mais de 5 mil beneficiados.
Os ocupados nas obras de alvenaria somam mais de 4.5 mil beneficiários. Há também os que abriram bares (3,6 mil), lanchonetes (3,6 mil) ou trabalham como ambulantes vendendo alimentos (2.8 mil). De acordo com o levantamento, o fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para consumo domiciliar também é atividade de mais de 2,3 mil beneficiários do Bolsa Família. Outros 2,3 mil pessoas exercem atividade de confecção, sob medida, de peças do vestuário e mais de 2 mil acabaram abrindo comércio varejista de bebidas.
Ainda assim, o cientista político e professor do Insper, Humberto Dantas, avalia que a simples divulgação de dados como o número de famílias que deixaram o programa por aumento de renda não é suficiente para medir a eficiência do Bolsa Família como política de promoção social. “Ainda não está claro para a sociedade os reais esforços do governo para tirar essas famílias da situação de miséria”, ressalta. “Para saber se a ‘porta de saída’ existe realmente, é necessário entender qual é a tendência desse número. É necessário entender se essa saída por aumento de renda tem aumentado ou diminuído ao longo do tempo, se há retorno dessas pessoas ao programa”, comentou.
Para Dantas, é necessário que o próprio governo tenha mais informações sobre as famílias que saíram o programa para testar o funcionamento do Bolsa Família com o objetivo de combate à miséria. “Até que ponto o Bolsa Família foi o responsável por essas pessoas terem melhorado sua renda?”, questionou. “Isso pode ter ocorrido por questões conjunturais ou por fatores diversos como um pai arrumar um emprego, a filha passar em um concurso, ou por aquecimento do mercado de trabalho na cidade onde o beneficiário mora. É necessário saber o que ocorreu devido ao programa ou por outras questões”, analisou Dantas, que também ressalta que a necessidade de uma qualificação do dado não representa uma crítica ao programa. “Isso não desmerece a importância e a validade do programa.”
Idealizador do programa Bolsa Escola, programa criado na década de 80 e que a oposição considera embrião do Bolsa Família, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) avalia que o número de pessoas que deixaram programa nesses 10 anos é muito pequeno. “Trata-se de uma porta muito estreita”, critica Buarque. “Se pensarmos que em 10 anos do funcionamento do programa apenas 1,7 milhão de famílias passaram pela porta da saída, significa menos que 200 mil famílias a cada ano. Isso é muito pouco. É preciso contar também os que entraram. Quantos entraram?”, questionou.
De acordo com dados do MDS, o programa ampliou seu alcance e atende hoje mais de 13 milhões de famílias em todo país, mais que o dobro do número de famílias beneficiadas no primeiro ano de funcionamento, em 2003, que era 6,5 milhões. Dessas famílias que entraram no Bolsa Família em sua primeira edição, 522 mil ainda dependem do programa.
Caráter assistencialista
Embora o Bolsa Família mantenha como condicionante a permanência dos filhos na escola, princípio básico do Bolsa Escola, Buarque reclama avalia que o governo Lula conferiu um caráter “assistencialista” à política de distribuição de renda. Para o senador, esse aumento de renda retratado pelo governo pode ser temporário, motivado por empregos instáveis e informais que não representam mudança na estrutura social. “A porta de saída estrutural da pobreza seria a escola dos filhos e isso o Bolsa família não está fazendo”, critica o senador.
A posição é referendada pelo sociólogo e antropólogo Paulo Marques. “A educação no sentido mais abrangente é o grande fator para promover a mobilidade social que o nosso país precisa. No entanto, a gente sabe que a qualidade do ensino público no Brasil ainda deixa muito a desejar”, destacou o professor.
Marques, no entanto, ressalta que o Bolsa Família tem um caráter emergencial de redução da miséria, mas que, a longo prazo, acaba perdendo sua eficácia. “É inegável que se trata de um programa assistencialista. Até aí, não vejo problema porque é também papel do Estado prestar assistência aos mais necessitados. O problema é que, a longo prazo, sem medidas estruturantes como a melhoria da educação, por exemplo, não promoverá essa mobilidade, a menos que a Educação seja mais valorizada”.
Além dos cursos profissionalizantes, o governo tem se empenhado em identificar os beneficiários do Bolsa Família que acabam abrindo pequenos negócios por conta própria. Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) cruzou dados do Bolsa Família com o cadastro dos Microempreendedores Individuais (MEIs), política implantada em 2008, com objetivo de tirar empreendedores da informalidade. De acordo com o estudo, após dois anos de vigência, R$ 2,8 milhões de empreendedores aderiram ao programa. Desses, mais de 102.627 pessoas, ou seja 7,3% do total, eram beneficiários do Bolsa Família.
Para o diretor do Ipea e ministro interino na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), Marcelo Neri, o estudo “rejeita o efeito de informalidade do programa” e aponta mais uma alternativa buscada pelos beneficiários para melhorar sua condição de vida e deixar de depender do governo. “O que se chama de efeito preguiça, do ponto de vista estatístico, não é corroborado por esse estudo”, disse Neri, em entrevista ao iG.
A atividade mais exercida pelos empreendedores do Bolsa Família está ligada ao comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios. Quase 11 mil beneficiários do programa exercem essa atividade, o que representa 10,5 % do total. A segunda atividade mais exercida é a de cabeleireiro que comporta 7,5 mil pessoas nesta função. Em seguida estão os comerciantes varejistas, com predominância de produtos alimentícios, os chamados “minimercados” que ocupam mais de 5 mil beneficiados.
Os ocupados nas obras de alvenaria somam mais de 4.5 mil beneficiários. Há também os que abriram bares (3,6 mil), lanchonetes (3,6 mil) ou trabalham como ambulantes vendendo alimentos (2.8 mil). De acordo com o levantamento, o fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para consumo domiciliar também é atividade de mais de 2,3 mil beneficiários do Bolsa Família. Outros 2,3 mil pessoas exercem atividade de confecção, sob medida, de peças do vestuário e mais de 2 mil acabaram abrindo comércio varejista de bebidas.
Ainda assim, o cientista político e professor do Insper, Humberto Dantas, avalia que a simples divulgação de dados como o número de famílias que deixaram o programa por aumento de renda não é suficiente para medir a eficiência do Bolsa Família como política de promoção social. “Ainda não está claro para a sociedade os reais esforços do governo para tirar essas famílias da situação de miséria”, ressalta. “Para saber se a ‘porta de saída’ existe realmente, é necessário entender qual é a tendência desse número. É necessário entender se essa saída por aumento de renda tem aumentado ou diminuído ao longo do tempo, se há retorno dessas pessoas ao programa”, comentou.
Para Dantas, é necessário que o próprio governo tenha mais informações sobre as famílias que saíram o programa para testar o funcionamento do Bolsa Família com o objetivo de combate à miséria. “Até que ponto o Bolsa Família foi o responsável por essas pessoas terem melhorado sua renda?”, questionou. “Isso pode ter ocorrido por questões conjunturais ou por fatores diversos como um pai arrumar um emprego, a filha passar em um concurso, ou por aquecimento do mercado de trabalho na cidade onde o beneficiário mora. É necessário saber o que ocorreu devido ao programa ou por outras questões”, analisou Dantas, que também ressalta que a necessidade de uma qualificação do dado não representa uma crítica ao programa. “Isso não desmerece a importância e a validade do programa.”
Idealizador do programa Bolsa Escola, programa criado na década de 80 e que a oposição considera embrião do Bolsa Família, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) avalia que o número de pessoas que deixaram programa nesses 10 anos é muito pequeno. “Trata-se de uma porta muito estreita”, critica Buarque. “Se pensarmos que em 10 anos do funcionamento do programa apenas 1,7 milhão de famílias passaram pela porta da saída, significa menos que 200 mil famílias a cada ano. Isso é muito pouco. É preciso contar também os que entraram. Quantos entraram?”, questionou.
De acordo com dados do MDS, o programa ampliou seu alcance e atende hoje mais de 13 milhões de famílias em todo país, mais que o dobro do número de famílias beneficiadas no primeiro ano de funcionamento, em 2003, que era 6,5 milhões. Dessas famílias que entraram no Bolsa Família em sua primeira edição, 522 mil ainda dependem do programa.
Caráter assistencialista
Embora o Bolsa Família mantenha como condicionante a permanência dos filhos na escola, princípio básico do Bolsa Escola, Buarque reclama avalia que o governo Lula conferiu um caráter “assistencialista” à política de distribuição de renda. Para o senador, esse aumento de renda retratado pelo governo pode ser temporário, motivado por empregos instáveis e informais que não representam mudança na estrutura social. “A porta de saída estrutural da pobreza seria a escola dos filhos e isso o Bolsa família não está fazendo”, critica o senador.
A posição é referendada pelo sociólogo e antropólogo Paulo Marques. “A educação no sentido mais abrangente é o grande fator para promover a mobilidade social que o nosso país precisa. No entanto, a gente sabe que a qualidade do ensino público no Brasil ainda deixa muito a desejar”, destacou o professor.
Marques, no entanto, ressalta que o Bolsa Família tem um caráter emergencial de redução da miséria, mas que, a longo prazo, acaba perdendo sua eficácia. “É inegável que se trata de um programa assistencialista. Até aí, não vejo problema porque é também papel do Estado prestar assistência aos mais necessitados. O problema é que, a longo prazo, sem medidas estruturantes como a melhoria da educação, por exemplo, não promoverá essa mobilidade, a menos que a Educação seja mais valorizada”.
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