domingo, 26 de maio de 2013

Cidadania plena em cena

Cidadania plena em cena

Fallet oferece curso de teatro às crianças, e resultados começam a aparecer na sala de aula, com melhor impostação de voz, desinibição e até a volta da autoestima

ANDRÉ BALOCCO
Rio - “Antes da pacificação, não existia esperança de nada”. A frase, do professor Augusto Cantanhede, traz um quê de dramaticidade, e não poderia ser diferente: desde novembro, o ator profissional dirige 11 crianças na sede improvisada da Amavale, a Associação de Moradores do Fallet, onde acontecerá o quinto debate da série ‘Rio, Cidade sem Fronteiras’. Morador da comunidade, Augusto enfileira as razões para que o teatro continue no cronograma de atividades da associação e, mais ainda, entre na programação oficial de reinserção das áreas pacificadas.
Os atores da peça ‘Maria Tortinha’ posam diante do caldeirão das bruxas
Foto:  Alexandre Brum / Agência O Dia
“As crianças vencem a timidez, aprendem a se posicionar nas salas de aula, sabem impostar a voz e reforçam a capacidade de leitura”, conta o maranhense, que conheceu os dois lados da comunidade: antes e depois da pacificação. “Olha, sinceramente, antes a gente saía de casa rezando para não tomar um tiro”.
O fato de pais e mães já deixarem seus filhos andarem livres pela comunidade é, segundo o professor, prova de que a pacificação, se não trouxe o paraíso, ao menos acabou com as operações de guerra da polícia para combater o tráfico. “Hoje, o pai deixa seu filho ir ao curso porque sabe que ele vai voltar”.
FIM DO ESTIGMA
Mas é a sociabilização das dez meninas e um menino inscritos no curso que mais o entusiasma. Cantanhede aposta que o sucesso da pacificação passa, necessariamente, pela conquista dos jovens. E enxerga mudanças nas posturas de seus alunos.
“Você percebe que as crianças daqui já nascem com o estigma de morar no morro. Já se sentem inferiores em relação a quem está no asfalto”, diz o professor, que um dia se apaixonou por uma moradora da comunidade e deixou Copacabana para trás. “O teatro ajuda a mudar este pensamento”, aposta.
Além de buscar talentos, o trabalho passa também pelo resgate dos laços familiares. No Natal, as crianças apresentaram a primeira peça, o que levou às lágrimas a maioria das mães presentes ao evento. Agora, Augusto prepara os meninos para mais um ato da escola de teatro do Fallet: a peça ‘Maria Tortinha’, que fala sobre os vícios de postura dos jovens, e também sobre a importância da higiene pessoal. “Eles já mudaram muito. Não são mais arredios ou agressivos entre eles”.
Vídeo:  Shakespeare agradece
Shakespeare agradece.
ORGULHO DO FALLET
A chegada da equipe do DIA ao ensaio transformou os jovens. Orgulhosos, falaram, literalmente, pelos cotovelos. Maria Marcelino Estevão, de 14 anos, por exemplo, transformou a teoria da autoestima elevada, frisada pelo professor, em realidade. Uma das ‘bruxas’ da peça, não se apertou quando perguntada dos benefícios que ganhou se inscrevendo no curso. “Estou aqui para aproveitar a oportunidade. Melhorei na escola, na leitura e em projeção de voz.”

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