Moacyr Luz: O celular
Hoje, é preciso declarar, o celular faz de tudo. Paga contas, está autorizado a fornecer senhas bancárias, tira fotos
Rio - O celular é grande culpado da transformação. Sou obrigado a escrever minhas crônicas às cinco e meia da manhã, quando ele não toca. É verdade, indiferente à tua privacidade, o toque, às vezes hinos de clubes, vinhetas das notícias urgentes ou funks da Baixada, te chama quando o xampu entra na vista e você, ensopado, se desespera em querer atender. Tão comum quanto, na primeira garfada de um assado no forno, no elevador lotado, o celular se faz presente num som constrangedor. Se, analisado por um terapeuta, meu diagnóstico confirmasse os sintomas de um transtorno psicológico delirante, uma paranoia qualquer, eu apostaria minhas fichas telefônicas que um sujeito, pago pela operadora, passa o dia em vigília no prédio em frente, um discador de elite, acionando meu aparelho nos momentos de impossibilidade cotidiana.
Ainda estou vivendo o eco de uma apresentação que fiz há poucos dias no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, templo máximo dessa cidade cultural. Todo o ambiente exige reverência e concentração. No palco, um silêncio pra cada acorde, o sopro de emoção às clássicas suítes musicais. Com o meu violão e a respiração da plateia, uma rara calma urbana: — Aqui, o telefone não apita. Nem nos camarins.
Meu amigo Dácio Malta, em viagem pelo México, percebeu um aviso na entrada de uma turística igreja local: — Claro que você veio conversar com Deus, só não pode é ser por celular. Desligue! Sensacional.
Hoje, é preciso declarar, o celular faz de tudo. Paga contas, te embarca em aeroportos congestionados, está autorizado a fornecer senhas bancárias, tira inúteis fotos caseiras e registra em vídeo qualquer ocorrência polêmica. Evidente, troca torpedos que não afundam e te inclui entre os novos amigos das redes sociais. Casais jantam sob a máxima no regimento dos motoristas de coletivos; só falam o indispensável entre si. Perdigotos no teclado, só lembram o convívio na hora da conta.
Restam antigos usuários, com seus motorolas arranhados, apertando na memória à direita na seta, o número-free, discagem sem ônus. E aí, blá-blá-blá...
Antes de completar a ligação, um papo de botequim pra lá de manjado:
— Pô, tu não me liga mais?
— Pois é, meu celular é pai de santo. Só recebe!
Perdi o sinal.
E-mail: moaluz@ig.com.br
Ainda estou vivendo o eco de uma apresentação que fiz há poucos dias no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, templo máximo dessa cidade cultural. Todo o ambiente exige reverência e concentração. No palco, um silêncio pra cada acorde, o sopro de emoção às clássicas suítes musicais. Com o meu violão e a respiração da plateia, uma rara calma urbana: — Aqui, o telefone não apita. Nem nos camarins.
Meu amigo Dácio Malta, em viagem pelo México, percebeu um aviso na entrada de uma turística igreja local: — Claro que você veio conversar com Deus, só não pode é ser por celular. Desligue! Sensacional.
Hoje, é preciso declarar, o celular faz de tudo. Paga contas, te embarca em aeroportos congestionados, está autorizado a fornecer senhas bancárias, tira inúteis fotos caseiras e registra em vídeo qualquer ocorrência polêmica. Evidente, troca torpedos que não afundam e te inclui entre os novos amigos das redes sociais. Casais jantam sob a máxima no regimento dos motoristas de coletivos; só falam o indispensável entre si. Perdigotos no teclado, só lembram o convívio na hora da conta.
Restam antigos usuários, com seus motorolas arranhados, apertando na memória à direita na seta, o número-free, discagem sem ônus. E aí, blá-blá-blá...
Antes de completar a ligação, um papo de botequim pra lá de manjado:
— Pô, tu não me liga mais?
— Pois é, meu celular é pai de santo. Só recebe!
Perdi o sinal.
E-mail: moaluz@ig.com.br
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