Rio -  A crença no milagre revela certa noção de Deus. A razão moderna considera que só a ignorância enxerga milagres na ordem natural das coisas. Milagre é quando se desconhecem as leis da natureza.
As Igrejas demonstram uma posição ambígua diante do milagre. Umas admitem o poder de Deus em operar mudanças substanciais no rumo natural das coisas e, ao mesmo tempo, miram com ceticismo qualquer evento que, por seu caráter extraordinário, é tido como milagre.
As Igrejas neopentecostais emulam a fé dos fiéis através de sucessivos milagres, em especial os que restabelecem a saúde. Já as Igrejas históricas suspeitam da profusão de milagres. A ponto de o Vaticano, nos processos de canonização, nomear um ‘advogado do diabo’ incumbido de desmoralizar fenômenos nos quais a fé identifica origem miraculosa.
Muitos procuram em Deus a capacidade de operar milagres. Um Deus-mágico, capaz de tirar, de sua onipotente cartola, todo tipo de curas e bênçãos. Um Deus disposto, a todo momento, a contrariar e mesmo subverter as leis da natureza que ele mesmo criou. Um Deus criado à nossa imagem e semelhança...
O verdadeiro milagre de Deus é a presença de Jesus entre nós. Presença nada espetacular (nasce numa estrebaria e morre assassinado na cruz) e incômoda (entra em choque com as autoridades religiosas e políticas). Não era a ordem da natureza que lhe interessava mudar, e, sim, o coração humano, para impregná-lo de amor, compaixão e justiça.
Desconfio da fé que necessita da muleta dos milagres para se sustentar. É frequente encontrar quem tenha fé em Jesus. O raro é se deparar com quem tenha a fé de Jesus, que o levou a se posicionar em defesa dos oprimidos e excluídos em nome de um Deus amoroso e misericordioso.
Escritor, autor, em parceria  com Leonardo Boff, de  ‘Mística e espiritualidade’