Rio -  Agora moro no Leblon. Do meu apartamento não vejo o mar, só uma parede de prédios sinistros. Mas a vista não é das piores. Em frente ao meu prédio fica a décima quarta delegacia, de um só andar, e que ocupa quase todo o quarteirão. Vizinha à delegacia, na esquina com a Guilhermina Guinle (a rua, não a moça bonita da novela), fica a Gertrudes. Até agora ninguém sabia seu nome; fui eu quem a batizou e guardei segredo. Trata-se de uma vetusta figueira, cuja copa chega à altura da minha janela, no nono andar.
Tem, exclusivamente para ela, um espaço de uns 12 metros quadrados, protegido por grades dos pipis da cachorrada que pulula no bairro. É vizinha do edifício onde morou João Saldanha. Macacos me mordam se não foi ele quem deu um jeito de preservá-la num dos lugares onde o metro quadrado é dos mais valiosos. Gertrudes é irmã mais velha da Bertha, que fica na Afrânio, em frente ao Shopping Leblon. Por que esses nomes? Porque lembram Gertrudes, minha babá — quando eu tinha 7 anos — e Bertha, a cozinheira da casa de meus pais . Eram duas catarinenses alemãs que faziam comigo o que agora chamam de bullying.
E eu, confesso, adorava. E adoro morar no Leblon, o que não é vantagem nenhuma, carioca tem mania de adorar o bairro onde mora, seja lá qual for. Adorei todos os lugares em que morei (de alguns fui despejado), a começar pelo Estácio, onde nasci, na Praça da Cruz Vermelha. Fantasio morrer do outro lado da praça, no Hospital do Câncer: uma vida redonda. Adorei morar num montão de bairros, fiquei algum tempo num morro que esqueci o nome, num subúrbio de Caxias.
Pretendo só sair daqui dentro de uma caixa cheia de cinzas. O que não é difícil de prever quando se tem 81 anos e lá vai pedrada. Morando na Selva de Pedra, dá uma sensação incômoda saber que estou digitando esta crônica 50 metros acima do lugar onde era a favela da Praia do Pinto, destruída num incêndio ateado pela especulação imobiliária. Como de costume, ninguém foi preso.