domingo, 19 de maio de 2013

‘Nunca disse que era pobre’



‘Nunca disse que era pobre’

Regina Casé comanda hoje um dos grandes sucessos da Globo quando o assunto é programa de auditório. O ‘Esquenta’ ganhou seu lugar ao sol e a apresentadora virou um dos alvos preferidos da crítica por morar no metro quadrado mais caro da cidade, o Leblon, e fazer um programa voltado para o povão.
“Quando fui fazer o ‘Esquenta’, eu já morava há 20 anos no mesmo apartamento onde moro hoje. Nunca disse que era pobre”, observa Regina na entrevista a seguir.
Você estudou no tradicional colégio católico Sacré-Coeur de Marie, em Copacabana. Você tinha um pensamento mais liberal em relação a suas colegas? 
Tinha, e era muito esquisito estudar nesse colégio, porque na minha casa as paredes eram desenhadas, havia poemas rabiscados nelas, a música ia até a madrugada, a casa estava sempre cheia de artistas e eu tive uma educação muito liberal do meu pai (Geraldo Casé) e da minha mãe (Heleida). Mas como alguns parentes meus estudaram nessa escola e eu morava bem ao lado, minha mãe me colocou lá.
Não é contraditório você num colégio de freira?
Bem contraditório, mas, no final, eu achei ótimo. Hoje em dia ninguém tem aulas de filosofia, de nada. É tudo muito técnico, visando ao vestibular, múltipla escolha. Independente da religião, eu estudei numa escola com valores humanísticos, uma educação que me permitiu abstrair. Senão você não entende o sentido das leis, por exemplo.
Você não terminou a faculdade de Comunicação?
Não. Entrei na Comunicação, depois fiz um ano de História e, por fim, mudei para Filosofia. Eu já tinha emprego de atriz e estava viajando pelo Brasil com o Asdrúbal Trouxe o Trombone (grupo teatral).
Se tivesse feito a faculdade de Jornalismo, você teria sido uma comunicadora diferente?
Acho que não, porque a minha formação nessa área vem desde cedo. Sou neta do Ademar Casé, que tinha um programa de rádio que ia da manhã até a noite e foi um dos pioneiros do rádio; e meu pai, Geraldo Casé, que estava na primeira transmissão de TV. Eu tive um tipo de formação em casa que não ia deixar a faculdade me enquadrar.
O seu interesse pelo povo vem desses programas do seu avô?
Eu acho que vem um pouco, sim. Mas eu mesma nunca achei que faria isso. Sempre achei que seria atriz. Até a adolescência, quando a gente acha que é o centro do universo, eu achava que não tinha nada a ver com meu pai, meu avô, nem nada. Mas o resultado vem da diversidade de pessoas que havia na minha casa. Fui criada em Copacabana até os 16 anos. Eu era de uma família de classe média, meio dura, que, de vez em quando, passava sufoco. Meu pai e minha mãe tinham amigos de diversas classes sociais, de pele preta, de pele branca e eu, novinha, descobri um atalho para as coisas que eu achava mais divertidas.
Que coisas?
Eu achava chato ir a essas festas de clube com as amigas. Então, lá em casa tinha o faxineiro e eu ia com o faxineiro para o desfile do bloco em Laranjeiras. Tinha a Anita, cozinheira, com quem eu ia para a Mocidade. Ela morava em Bangu, conhecia o Mestre André, eu passava o fim de semana na favela. E isso nunca me impediu de conhecer coisas finas.
Você não precisou abrir mão?
Nunca. A liberdade é poder ir ao restaurante mais caro do Leblon e ir na birosca que tem a comida mais gostosa da favela, gostar e me interessar por esses dois mundos. Eu nunca falei que sou pobre, mas também não sou a pessoa mais rica do mundo. Trabalho desde os 11 anos de idade, meu pai e minha mãe eram duros. Minha mãe se casou e foi morar em Portugal, meu pai foi morar em São Paulo. Meus pais saíram de casa muito cedo (risos). Sempre me virei. Meus pais morreram e me deixaram de herança a conta do hospital. Mas deixaram, também, a educação, que é o que mais tenho de importante. A vida inteira eles trataram todas as pessoas da mesma forma.
Não teve herança?
Essa amplitude de relações foi minha maior herança. Não é ser amigo do office-boy, achá-lo engraçadinho e ir ao baile funk porque é moda. É ser amigo no sentido de um frequentar a casa do outro, abrir a geladeira, deitar na cama para ver televisão. Eles tinham isso. Não dá para ser amigo só de quem mora no seu prédio e de quem estuda no seu colégio. No mais, não me deixaram um tostão. E eu não tenho vergonha nenhuma do dinheiro que eu tenho. Se moro numa casa boa, posso ficar no melhor hotel de Paris e comer no melhor restaurante de Nova York, é porque eu trabalho desde novinha.
Muita gente parece não entender essa sua transição entre as classes.
Quando fui fazer o ‘Esquenta’, eu já morava há 20 anos no mesmo apartamento onde moro hoje. Nunca disse que era pobre.
A ‘Veja’ disse que você teve uma atitude preconceituosa ao dizer no seu programa “levanta a mão quem pode”, quando havia deficientes físicos na plateia.
O programa tem edição. Se tivesse havido algum problema ali, algum tipo de preconceito, a edição teria cortado. O que eu posso falar é que nenhum deficiente ficou ofendido. Ao contrário, muitos me defenderam por eu tratá-los de maneira normal.
Você é perseguida pela crítica?
Eu acho o programa tão bem recebido. Fui a um restaurante de madames, no Leblon, e várias vieram me dizer que não perdem nenhum ‘Esquenta’. É muito revelador conhecer esse outro mundo que o programa apresenta. Ninguém quer viver num elevador, sem novidades.
O ‘Esquenta’ é a realização de um sonho?
Nunca sonhei com isso, mas está tão bom que virou um sonho. As pessoas que trabalham comigo, os técnicos, todo mundo veste a camisa e se sente representado. Nunca trabalhei numa atmosfera tão legal.
Você tem vontade de fazer o ‘Esquenta’ ao vivo?
A gente tem vontade de fazer pelo menos um especial para testar. Eu adoro improviso e no ‘Esquenta’ me sinto como num jogo de futebol. Eu entro ali para gravar e é como se estivesse entrando numa partida. Aliás, ali eu sou uma mistura de jogador de futebol com DJ. Eu tenho um roteiro, mas eu toco de tudo.
Qual é a sua participação na produção?
Participo de tudo. Fui criada no Asdrúbal Trouxe o Trombone, fiz de tudo, figurino, colei cartazes, distribuí filipetas, carregava o dinheiro na caixa de queijo de Catupiry, fui criada com todo mundo participando de todas as instâncias. Essa é a minha formação, meu jeito, e só sei trabalhar assim.
Qual foi o convidado que marcou o ‘Esquenta’?
É impressionante como, às vezes, você vai pelo roteiro, acha que não vai se surpreender e alguma coisa te derruba. Uma vez, teve um concurso de escova e alguém gritou na plateia que uma das candidatas era prima dele. Aí, a bateria da Vila Isabel se empolgou, fez música para a menina, e todo mundo começou a fazer improviso. Eu sei que fiquei quase uma hora sem o microfone. Todo mundo falou, todo mundo cantou. Foi um dos momentos mais felizes do ‘Esquenta’.
Qual é o ritmo musical que é mais a sua cara? Funk, pagode ou samba?
É o samba. Sempre gostei. Quando você está muito triste, não consegue ir a um baile funk. O samba é para quando você está alegre e para quando você está triste. Mas eu gosto dos outros também.
Você sente falta de viajar pelo país, como na época do ‘Brasil Legal’?
Sinto falta das viagens, sim. Ainda viajo com o ‘Um Pé de Quê?’ (Canal Futura). Quando comecei no ‘Esquenta’, achei que não ia aguentar nem um mês de estúdio. O que me confortou foi o ar condicionado do Projac. Mas tem outra coisa bacana: quando eu ia a Campina Grande (Paraíba), por exemplo, eu tinha o mundo do forró lá. Onde eu conseguiria juntar esse forró com o funk do Complexo do Alemão? Isso é possível no ‘Esquenta’.
A sua filha, Benedita, participa da criação do programa?
Era uma coisa bem informal, ela dava uns palpites. Aí o Hermano Vianna, criador do programa, ligava pra ela toda hora para pedir dicas de funk, pagode… Ela sabia o que estava bombando e ainda dizia para ele o que ia bombar em três semanas. Até que chegou um momento em que ele falou para a Benedita: “Acho melhor te contratar”. Quando eu soube, ela já estava com carteira assinada.
A Benedita é você, né? Ela gosta das coisas que você faz.
É uma bênção, nem sei a quem agradecer. Não é dizer que eu influencio. Acho que é ela que mais me influencia. Ela me mostra muita coisa nova.
E como está a recuperação do Estevão (Ciavatta, diretor, produtor e marido de Regina que caiu de um cavalo em novembro de 2008)?
É um trabalho insano até hoje, ele faz fisioterapia todos os dias, ainda tem limitações, dificuldade de locomoção, mas melhorou muito.
O amor cresceu depois disso?
O amor já era grande. O que cresceu foi a minha admiração por ele, ver como ele enfrentou tudo isso.
O que você gosta de fazer nas horas vagas?
Não tenho muita rotina. Tem semanas em que eu gravo dois programas. É uma experiência que, às vezes, me deixa apavorada. Faço sessões de fono, mas falar durante seis horas com o som muito alto me tira de qualquer técnica. Eu acabo gritando (risos).
Manda uma mensagem para os fãs do ‘Esquenta’.
Eu me sinto honrada pelo fato de o público se sentir representado no ‘Esquenta’. E agradeço o carinho de todos.
Postado por: Leo Dias às 12:30 am :: Nenhum comentário

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