Rio -  "Há 31 anos que eu espero que essa tragédia vire apenas uma lembrança, mas ela nunca deixou de ser a realidade”. A frase é do pedreiro Jamil Luminato, 53, vivendo o drama causado pelas fortes chuvas de domingo, que até agora vitimou 31 pessoas em Petrópolis, incluindo a filha e dois netos dele.
Segundo a prefeitura, as chuvas também deixaram 44 feridos. Destes, 14 permanecem internados, incluindo o integrante da Defesa Civil Ricardo Correa. O número de desabrigados ou desalojados caiu de 1.463 para 1.237 pessoas, enquanto os pontos de abrigo passaram de 27 para 24.
Quatro pessoas de uma mesma família foram enterradas ontem. Jamil conhece bem esse sofrimento. É a quarta vez que passa por uma tragédia como a dos últimos dias.
O olhar perdido do pedreiro Jamil Luminato, herói de muitas tragédias em Petrópolis, mas que acaba de perder a filha e dois netos | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
O olhar perdido do pedreiro Jamil Luminato, herói de muitas tragédias em Petrópolis, mas que acaba de perder a filha e dois netos | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Ele se tornou herói em 1981, quando dezenas de pessoas também morreram soterradas. Na época, aos 21 anos, o pedreiro salvou vidas, e a sua foto com um bebê morto no colo, feita por Carlos Mesquita, ganhou a capa do ‘Jornal do Brasil’ e o Prêmio Esso, um dos mais prestigiosos do Jornalismo brasileiro.
Nesta quinta-feira, entretanto, após enterrar a filha e os dois netos, ele dizia que o estigma de herói não lhe convém mais. “Vivi isso em 1981, 1995, 2011, e não tinha dúvidas de que o meu papel era ajudar novamente agora.
Foi quando vi que a casa da minha filha tinha desabado, e o sentimento de heroísmo desabou junto. Infelizmente, perdi minha menina, de 27 anos, e meus dois netos, de 4 e de 2 anos”.
Após o drama de 1981, Jamil continuou morando no mesmo bairro, o Independência, como revelou ontem a ‘Folha de S. Paulo’. Ele afirma que, naquela época, o governo já fazia falsas promessas.
“Muitos que morreram agora são pessoas que se cadastraram em 1981 na prefeitura, acreditando que iriam receber novas casas. Mas o tempo foi passando, os governos mudaram, e nada saiu do papel. Até quando vamos viver de promessas? São três décadas de omissão”.
Em 1981, Jamil, então com 21 anos, carregou bebê morto num temporal | Foto: Carlos Mesquita / Agência O Dia
Em 1981, Jamil, então com 21 anos, carregou bebê morto num temporal | Foto: Carlos Mesquita / Agência O Dia
Jamil ainda faz um apelo. “A prefeitura não pode ser mais inimiga dos moradores, muito menos da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros. Em 1981, os governantes já diziam que a Defesa Civil não conseguia levar o resgate imediato para alguns locais devido a dificuldade do acesso.
Em 1995 e 2011, a justificativa foi a mesma, nada mudou. Por que não fazer algo para que a Defesa Civil e os bombeiros cheguem com facilidade aos locais, já que a história se repete há 30 anos?", questiona o pedreiro-herói.
Ministério Público vai à Justiça pedir obras para contenção de rios
O Ministério Público entrou nesta quinta na Justiça com uma ação civil pública para que a prefeitura de Petrópolis, o governo do Estado e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) façam obras para evitar o transbordamento dos rios Quitandinha e Piabanha.
Na ação, as promotoras Zilda Januzzi e Mariana Mascarenhas pedem que a Justiça determine prazo de 30 dias para que as autoridades apresentem projeto de Engenharia e a recomposição da mata ciliar dos dois rios.
O MP também requer dois tipos de indenização: uma pelas perdas patrimoniais das vítimas das enchentes e outra por dano moral coletivo, com verba destinada ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos. O órgão prepara segunda ação cobrando contenção de encostas e remoção das famílias em áreas de risco.
O Ministério da Saúde enviou ontem 40 mil frascos de hipoclorito de sódio, para purificar a água, e kits de medicamentos para os desalojados pelas chuvas. O Hospital Santa Teresa, em Petrópolis, está precisando de doação de sangue de todos os tipos para atender as vítimas internadas na unidade.