Rio -  Há mais de 60 anos vi pela primeira vez um filme dos Irmãos Marx, ‘Uma Noite em Casablanca’. Agora alguém teve a boa ideia de fazer uma retrospectiva da trinca na Caixa Cultural. Imperdível, vai até 24 de março. Aproveitando a onda retrô, isso aí foi publicado quando eu ainda tinha cabelo: “Depois que o bar fechou, fui para casa cambaleando pelo atalho de terra quando vi a lata faiscar à luz da Lua. Peguei a lata e destampei. Uma névoa azulada e cintilante cresceu à minha frente.
De dentro dela a voz trovejante do gênio me disse que eu tinha direito a um desejo. ‘Peraí’, reclamei, ‘não são três desejos?’. ‘Estamos no Brasil’, cortou, como se isso explicasse tudo. ‘E rápido. Depois de séculos preso nesta lata enferrujada, tenho um monte de coisas para botar em dia’. Pensei num caminhão de dinheiro, mas o cara não me parecia confiável. E se me desse a grana em cruzados? ‘Quero ser o maiorhumorista do mundo’, decidi. Puff! Groucho Marx materializou-se a dois passos de mim e ficou andando daquele seu jeito meio agachado, bigode pintado de preto, arqueando e baixando as sobrancelhas, soltando baforadas do charuto.
‘Ei!’, gritei para o fundo da lata. ‘Eu disse que queria ser e não ver o maior humorista do mundo!’. ‘Quem mandou beber demais e falar com a voz enrolada? Entendi ‘ver’. Agora se vira!’ (...) Tentei ver a coisa pelo lado positivo. Tudo bem, não fiquei milionário e nunca serei o maior humorista do mundo, mas levar um papo com Groucho numa madrugada já é alguma coisa. Perguntei como começaram os irmãos Marx. ‘Éramos cantores, de um amadorismo total. O nome do grupo era Os Quatro Rouxinóis. Depois viramos Os Quatro Mascotes’. ‘Fale sobre seu primeiro sucesso no show business’. ‘Era um esquete chamado ‘Fun in High School’. Eu fazia o professor, e Harpo (que ainda não era mudo), o aluno’. Eu perguntava: ‘Qual o formato da Terra?’. ‘Não sei’. ‘Aí eu procurava ajudá-lo: qual é o formato das minha abotoaduras?’.
E ele: ‘Quadradas’. ‘Não essas, mas as que uso aos domingos’. E ele: ‘Ah, essas são redondas’. ‘Eu voltava à pergunta: pronto, agora me diga qual é o formato da Terra’. Harpo respondia: ‘Quadrada durante a semana e redonda aos domingos. Matávamos o público de rir’. Foi ficando transparente e sumiu. Fiquei parado no meio da estrada, depois fui para casa. A lata está até hoje na minha mesa, servindo de porta-lápis”.