Moacyr Luz: rotinas e adereços
Às vezes, a pé, encontros becos de enviesadas curvas etílicas, a parada mais próxima de uma cirrose óbvia
Moro na Glória, Iaiá, sempre morei na cidade. Por conta dessa geografia, meus rodopios são bares, um milhar cercado e samba cadenciado.
Às vezes, a pé, encontros becos de enviesadas curvas etílicas, a parada mais próxima de uma cirrose óbvia. Foi assim que descobri o Lord Bar numa travessa da Quitanda, rua clássica dessa Cidade Maravilhosa (escrevo em maiúsculas e saio cantando “cheia de encantos mil...”).
Cardápio de sonetos engordurados, mocotó, rabada e frango com quiabo, mantém uma comissão de frente fiel aos princípios de um veterano pinguço: só se bebe em pé, sempre as mesmas doses, feito comprimido pra pressão, diária e pontual. Poeticamente, o balcão parece um quadro emoldurado: as mesmas pessoas, nos preservados lugares. Pra encostar ali é preciso um atestado de resistência fixa.
Você anda um pouco mais, quase nada e, mais frequente que placa de esquina, o apontador de bicho. Atento aos números desenhados no talão, ele ajeita o carbono enquanto a tua cabeça busca um duque de dezena combinado. Aí vem a pergunta:
— Combinado com o quê?
Sim, a caneta suspensa feito um cronômetro abre o tempo pra sua escolha. Data de casamento, idade do avô paterno, a placa do fusca guaribado, a sepultura da Carmen Miranda, qualquer referência que essa tabuada remeta, vale nesse escrito.
Um gaiato simpático, freguês antigo do Momo, na Tijuca, passava o dia reclamando da sorte:
— Que mancada! Deu a milhar inteira do avião que enguiçou em Marrakech e eu não joguei!
Esse lamento tem variações na Mega-Sena. Há sempre o vizinho que quase acertou, passou perto em tudo, mas não marcou um dígito sequer. Eu, particularmente, tenho certeza, sim, que o meu trevo de quatro folhas está no trabalho, no samba que me leva, feito os versos de Serginho Meriti, na voz de Zeca Pagodinho. Tenho duas músicas gravadas por esse craque, um gênio da raça, e algumas histórias dos raros encontros que marcamos.
Uma lembrança marcante, o enterro do João Nogueira. Chegamos cedo, eu e Zeca, antes das oito da manhã. Tudo fechado no São João Batista, só mesmo uma barraquinha azul vendendo biscoitos vencidos. O nosso ídolo do samba brasileiro encostou na senhora ainda sonolenta e sugeriu: — Pago adiantado, mas põe uma caixa de cerveja nessa birosca, dona!
A senha necessária pra superar um dia de intensa emoção.
Com todo respeito ao inesquecível Xangô da Mangueira, volto a capa: — Moro na Glória, Iaiá, sempre morei na cidade...
Às vezes, a pé, encontros becos de enviesadas curvas etílicas, a parada mais próxima de uma cirrose óbvia. Foi assim que descobri o Lord Bar numa travessa da Quitanda, rua clássica dessa Cidade Maravilhosa (escrevo em maiúsculas e saio cantando “cheia de encantos mil...”).
Cardápio de sonetos engordurados, mocotó, rabada e frango com quiabo, mantém uma comissão de frente fiel aos princípios de um veterano pinguço: só se bebe em pé, sempre as mesmas doses, feito comprimido pra pressão, diária e pontual. Poeticamente, o balcão parece um quadro emoldurado: as mesmas pessoas, nos preservados lugares. Pra encostar ali é preciso um atestado de resistência fixa.
Você anda um pouco mais, quase nada e, mais frequente que placa de esquina, o apontador de bicho. Atento aos números desenhados no talão, ele ajeita o carbono enquanto a tua cabeça busca um duque de dezena combinado. Aí vem a pergunta:
— Combinado com o quê?
Sim, a caneta suspensa feito um cronômetro abre o tempo pra sua escolha. Data de casamento, idade do avô paterno, a placa do fusca guaribado, a sepultura da Carmen Miranda, qualquer referência que essa tabuada remeta, vale nesse escrito.
Um gaiato simpático, freguês antigo do Momo, na Tijuca, passava o dia reclamando da sorte:
— Que mancada! Deu a milhar inteira do avião que enguiçou em Marrakech e eu não joguei!
Esse lamento tem variações na Mega-Sena. Há sempre o vizinho que quase acertou, passou perto em tudo, mas não marcou um dígito sequer. Eu, particularmente, tenho certeza, sim, que o meu trevo de quatro folhas está no trabalho, no samba que me leva, feito os versos de Serginho Meriti, na voz de Zeca Pagodinho. Tenho duas músicas gravadas por esse craque, um gênio da raça, e algumas histórias dos raros encontros que marcamos.
Uma lembrança marcante, o enterro do João Nogueira. Chegamos cedo, eu e Zeca, antes das oito da manhã. Tudo fechado no São João Batista, só mesmo uma barraquinha azul vendendo biscoitos vencidos. O nosso ídolo do samba brasileiro encostou na senhora ainda sonolenta e sugeriu: — Pago adiantado, mas põe uma caixa de cerveja nessa birosca, dona!
A senha necessária pra superar um dia de intensa emoção.
Com todo respeito ao inesquecível Xangô da Mangueira, volto a capa: — Moro na Glória, Iaiá, sempre morei na cidade...
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