Rio -  O sujeito me confessa em tom de cirrose:
— Lá em casa até o cachorro bebe!
Só de dividir essa frase, alguma ONG vai me levar ao banco dos réus por incentivar o vício aos animais de estimação. Acontece que, em tempos de folia, o assunto procede.
Um taxista frequentador do bar Barata Ribeiro, na mesma rua da Zona Sul, encosta o cotovelo no balcão carcomido exibindo o rosto fatiado em arranhões:
— Roque, meu cachorro, me estranhou. Bem que a mulher reclamou que quando bebo, me transformo.
Lembrar o fato no Carnaval provoca uma analogia.
Era o primeiro desfile do Rancho Flor do Sereno, animando uma revoada de fãs na altura do Posto Seis, Copacabana. Quando me dou conta, privilégios da vida, encontro o mestre Luiz Fernando Verissimo, frequentador assíduo das nossas festas populares, seguindo a orquestra de sopros no auge do repertório.
Ouvido atento, escuto a pergunta em voz baixa: — Moa, cadê o Aldir?
Quase uma sombra,alta e magra, meu parceiro e gênio da música brasileira ri, escondido dentro da cabeça de alligator, o maior jacaré do cinema americano. Sim, Aldir Blanc, ali, um anônimo folião em pele e couro, passou despercebido pelo nosso Analista de Bagé.
Arcadas à parte, muitos acharam que o escritor gaúcho, na verdade, também se tratava de uma máscara da Casa Turuna.
Essa é a verdade do Carnaval, a fantasia.
Amanhecer entre confetes no travesseiro, corado de purpurina na face beijada, às vezes arlequim e colombina íntimos na primeira noite, tudo colorido de refrões que cantam por toda a vida a alegria de um bloco de sujo.
Mais tarde tem desfile. O mestre de bateria anuncia no apito o toque do surdo de marcação.
Do elegante camarote o empresário reconhece o ritmista — Meu motorista! — e se curva em reverência.
São quatro dias de um outro mundo. Palácios de madeira na realeza única do Carnaval, a chave do Rio de Janeiro em nossas mãos enquanto o grito rouco, convida:
— Alô, comunidade carioca! Segura a marimba!
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