Rio -  'Milton, qual é o seu maior talento?’, quis saber a entrevistadora. Quando estou de zoação, digo que é sambar, só para que me peçam para cair no ziriguidum. Mas naquela tarde eu estava inspirado e busquei uma resposta alternativa, procurando para tanto a coisa que sabia fazer melhor desde que eu era criança. Foi aí que rapidamente concluí que meu maior talento era investir incessantemente em mim mesmo, e produzi a seguinte resposta: meu maior talento é gastar dinheiro... com minha formação culturale intelectual, desde que eu era pequeno.
Menino pobre, eu pedia centavos aos meus pais e juntava para comprar ingresso do Cine Clube da Base Naval de Belém do Pará (a uma hora de lotação de minha casa), só para ver os filmes de Pasolini, Felini, Bergman, Antonioni. Muitas vezes saí antes de o filme acabar, porque o último ônibus partiria às 23h, o local era ermo, perigoso para além dos muros da base militar, e era impossível voltar a pé porque eu chegaria ao amanhecer em casa. E para que eu fazia aquilo? Aliás, porque fazemos coisas incompreensíveis e depois tudo isto se junta e faz o maior sentido? O que eu ganhava com aquilo? Eu entendia as dificílimas obras para adultos intelectualizados? Médio. Mas elas me sinalizavam que um dia seriam importantes nas discussões cerebrais que eu supunha que teria. Meus irmãos iam ao futebol, à piscina. Eu ia ao teatro, coisa suspeitíssima, tipo “esse menino é veado...”. Mas era a arte que me interessava, era o direito ao sonho que eu queria ter naquela realidade tão adversa.
Morando em vaga no Rio dos anos 80, deixei de comer para comprar um ingresso de última fila no teatro chique da Gávea para ver Fernanda Montenegro nas ‘Lágrimas Amargas de Petra Von Kant’. Nunca esqueci. E considero o ronco de meu estômago naqueles dias a coisa mais desprezível do mundo. Um dia eu teria dinheiro, poderia comer e ir ao espetáculo, mas sabia que aquela lembrança da grande dama dizendo “Marlene... Marlene...” isto sim me alimentaria para sempre. Aquilo era imperdível, e eu me arrependeria se não fizesse. Sou desta enfermaria cujos pacientes preferem a fantasia ao feijão. A obra de Orígenes Lessa ‘O Feijão e o Sonho’ virou novela há 40 anos e me sinalizou que depois dos anos de sonho eu teria que virar um pouco feijão para que este sustentasse de novo o sonho. Confesso que os dois se fundiram em mim, consigo viver bem e continuar gastando grande parte do que ganho em cultura.
Não viajo sem museus, musicais, palestras. Só turismo de comida e lugar acho perda de tempo. Eu fui meu melhor investimento...
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