Rio -  Sobre a terra encharcada de dramas, Elisângela Soares, de 31 anos, busca proteção. Mesmo assombrada pelo passado recente, a confeiteira decidiu voltar a viver, junto de outros parentes, às margens do Rio Capivari, em Xerém, Duque de Caxias.

Logo após a tragédia de janeiro, ela ergueu barraco próximo ao antigo endereço com placas de PVC e telhas doadas. Porém, na madrugada de segunda-feira, reviveu momentos de tensão e teve de deixar o cômodo às pressas diante de novo transbordamento.

“Chegamos a tirar documentos e roupas. Depois, acompanhamos a força da água derrubando casas na curva. Não temos o que fazer, por isso já estamos aqui de novo. Os R$ 500 (do aluguel social) que recebemos não dá para nada. Além disso, quem aluga ainda tem restrições com crianças e animais”, lamenta Elisângela no cômodo de quase 15m², usado como quarto, sala e cozinha, onde vive com marido, cinco filhos e sobrinho.
Construções foram derrubadas pela chuva de segunda-feira, quando o nível do Rio Capivari subiu: apesar dos riscos, moradores não abandonam casas | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Construções foram derrubadas pela chuva de segunda-feira, quando o nível do Rio Capivari subiu: apesar dos riscos, moradores não abandonam casas | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Nas "paredes’"da casa da família Soares e de outros vizinhos, que também voltaram para imóveis interditados, dizeres de fé e cobranças servem como resistência às águas.

“Medo sempre existe, mas, enquanto não recebermos o que achamos justo, temos que ficar aqui. Não temos para onde ir”, disse Elisângela, revelando que chegou a ser ameaçada por um suposto advogado da Defesa Civil para sair da região, sob pena de cancelamento do depósito do aluguel social.

Como se não bastasse o pavor, moradores afirmam que ainda têm de conviver com aproveitadores. Tudo porque oportunistas teriam tentado usar endereços afetados para buscar benefícios indevidos.
Mulher e criança observam destruição | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Mulher e criança observam destruição | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Por conta disto, Gilmar Domingues da Silva, 57, que não recebe aluguel social, bate ponto, diariamente, no que um dia já foi sua casa.

“Não sei mexer com esses papéis e por isso não dei entrada no aluguel social. Prefiro ficar vigiando minha casinha para ninguém pegar. Tenho um sonho de ainda poder reformá-la”

Moradores descartam sair de casa

No novo trecho da Rua Hilarino de Souza Bastos, extinto pelo rio, moradores que resistiram parcialmente à destruição demonstram preocupação. No entanto, a saída imediata está descartada. Segundo alguns deles, as casas haviam sido liberadas pela Defesa Civil.

“Vou pra onde? Espero que eles aterrem isso daqui e que a rua seja reconstruída. E a vida vai continuar”, afirmou Antenor Thomaz, 71, diante do barranco que se formou na parte de trás do terreno.

A irmã do carpinteiro e outras duas pessoas, donas dos imóveis que desabaram desta vez, já planejavam a volta para casa.
Mulher e criança observam o rastro de destruição em Xerém. Perto dali, a confeiteira Elisângela Soares ergue um imóvel com placas de PVC | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
A confeiteira Elisângela Soares ergue um imóvel com placas de PVC | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Prefeitura nega hipótese de cancelar o aluguel social

Em Santa Cruz da Serra, distrito de Caxias mais afetado desta vez, 263 moradores estão alojados em pontos de apoio. A prefeitura pediu à população das áreas de risco que saia de casa. O telefone 0800-023 0199 está à disposição.

A prefeitura informou ainda que não houve qualquer liberação de casas na beira do rio. Em relação à duplicidade do pagamento do aluguel social, revelou que a Defesa Civil desmontou grupo que tentava se aproveitar da situação para receber o benefício, e afastou a hipótese de cancelar o pagamento para quem esteja em área de risco.