Rio -  Muita gente se espantou com as manifestações nazistas e racistas ocorridas em trote promovido por estudantes de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Não me surpreendi nem um pouco. Trote é, por definição, autoritário e fascista. É praticado por trogloditas que sentem prazer em humilhar o outro. Em sua mediocridade, intuem que só assim poderão ser vistos e notados.
Somos um país violento — e não falo aqui apenas de atrocidades cometidas por bandidos. Nascida e criada na escravidão, a sociedade brasileira conviveu, durante séculos, com a tortura escancarada e legalizada, com espancamentos, com o racismo, com o açoitamento de seres humanos em praças públicas.
Até hoje, muita gente ainda defende — até em voz alta — castigos físicos a suspeitos de cometer crimes. O pelourinho não foi de todo abolido entre nós. A resistência de chefes militares em admitir o uso indiscriminado da tortura durante a ditadura implantada em 1964 demonstra conivência com a prática e uma não-indignação com a barbárie — este silêncio é revelador.
A presença dessa herança autoritária ajuda a explicar a cumplicidade com o trote. Alunos, pais, professores, diretores e reitores são, no mínimo por omissão, parceiros da brutalidade e do preconceito. Fecham os olhos, tratam os casos como apenas uma travessura cometida por jovens. Talvez achem até que alguns merecem passar por isso — quem mandou ser negro, pobre, homossexual? Já houve até homicídios praticados sob a capa de trote; pelo que sei, ninguém está preso por conta disso.
O trote é inadmissível mesmo em suas formas, digamos, mais leves. Não dá para aceitar como normal ver, nas ruas, calouros de corpos pintados — chamados de “bichos” ou “bixos” — obrigados a pedir dinheiro para pagar a cerveja de veteranos. Alguns destes dizem que apenas se vingam do que sofreram, lógica tacanha que perpetua a indignidade. A polícia, o Ministério Público e a Reitoria da UFMG têm a obrigação de punir os culpados pelos atos de violência explícita. Trata-se de uma instituição federal, não admito que meu dinheiro seja usado para bancar os estudos de um sujeito que, para citar apenas um exemplo, pinta uma colega de preto e nela pendura um cartaz racista. Quem fez isso tem que ser expulso da universidade e processado. Não se trata de brincadeira, mas de crime.
Fernando Molica é jornalista e escritor | E-mail: fernando.molica@odianet.com.br