Rio -  Será que somos uma sociedade de mortos-vivos? Sim, porque, se estamos realmente vivos, por que não protestamos contra os absurdos do dia a dia? E vou começar por mim: moro em São Conrado há 30 anos. E, neste tempo todo, toda vez que chove, da minha janela vejo a minha rua se transformar num rio, a água quase entrando na garagem, carros, caminhões e ambulâncias parados, pateticamente, diante da água. A rua ao lado, a mesma coisa. O que eu tenho feito nestes anos todos? Nada. Nem um mísero abaixo-assinado.
Isto vale também para quem mora na Praça da Bandeira, no Méier, em Campo Grande, Catete, Jacarepaguá, Flamengo, Copacabana e todos os outros bairros do Rio. Você, que mora onde os bolsões d’água impedem você de ir para casa ou de sair de casa, fez alguma coisa? Claro que não. Ninguém protesta de verdade, ninguém se junta para reclamar, para reivindicar, para exigir mudanças, obras e soluções. No dia seguinte ao temporal, há anos e toda vez que cai uma tromba d’água, a conversa é a mesma nos elevadores, no trabalho, no salão de cabeleireiro, nos jornais e na TV. Todo mundo se lamenta, todo mundo se queixa, todo mundo conta em detalhes como chegou em casa e quanto tempo levou para vencer a enxurrada. Todo mundo se comove com o drama dos desabrigados. Mas no segundo dia, se a lama já foi retirada das ruas e se a poeira já baixou, todo mundo se esquece das tormentas de 24 horas atrás.
Tudo vira piada nas redes sociais e para aí. Mas, vem cá, para que servem as associações de moradores? Onde estão estas pessoas que se dedicam a estas entidades? Por que não organizam um movimento pela recuperação das nossas galerias pluviais? E as autoridades eleitas para gerenciar a cidade? Não ficam sabendo do efeito da chuvarada? Não moram aqui? Não sabem o que fazer? Acham que a chuva é um fenômeno natural, que dá e passa, e preferem achar que Deus vai ajudar e, da próxima vez, não vai acontecer igual ou pior? E você? Você acha que faz parte do seu carma aguentar a força das águas e lutar para chegar em casa, quando acontecem as inundações da Praça da Bandeira?
Isto acontece há quantos anos? Desde que o Rio é Rio? É um problema crônico? E por isto será respeitado e jamais atacado ou resolvido? Há um total desinteresse das autoridades pelos problemas do dia a dia da cidade. Não é só na atual administração. Tem sido assim há décadas. Há uma passividade desconcertante nos moradores da cidade. Parece até que não é um problema nosso, que estraga nossos dias ou nossas noites, nossos móveis, nossa rotina, nossa vida. Parece que está acontecendo na Suécia ou no Alasca. E a gente? Vai levando. Meio morto. Meio vivo.
E-mail: comcerteza@odianet.com.br