Rio -  Não vou pisar num asfalto de ônibus caindo na tarde sobre o viaduto, nem andar na van assassina que atropela qualquer esperança de sensibilidade humana. Não é possível que sejam da mesma espécie que a minha, racionais, covardes humilhando a própria família com a cara fria da morte exposta no jornal das sete. Vamos às banalidades.
André é filho do dono de umas daquelas belas lojas de vinhos tão bem arrumadas na Cobal do Humaitá. O pai, um português carregado no sotaque a ponto de eu tentar buscar uma legenda, desfia e seca um bacalhau cru, receita caseira, aonde o azeite é fundamental, e serve com torradas, pra se beber um tinto em promoção na prateleira. Vale como dica. Mesa, só uma, raramente vazia. Opinião pessoal, a Cobal é a cara do Rio de Janeiro.
Voltando no tempo, início dos anos 90, um amigo liga do orelhão vermelho com voz de sussurro: “Estou olhando pro Tom Jobim! O maestro tá sentado com três feras no Arataca, Cobal do Leblon”... Desliguei antes de ele pronunciar o ‘ene’ do bairro. Táxi na quarta marcha e, em 15 minutos, estava encostando o ombro no balcão que vendia ovos jumbos, posicionado em frente ao gênio Brasileiro de Almeida Jobim.
Não havia celulares, nem, muito menos, as câmeras desses aparelhos. Os feras daquele dia eram João Ubaldo Ribeiro e José Lewgoy, máximos em seus talentos. Bebiam feito mortais, destilados, cevadas e fermentados cabernets, enquanto os anônimos apalpavam os tomates da barraca principal. Mais carioca, só Dicró com a sogra na Praia de Ramos.
A cidade se reinventa entre ferros torcidos e Maracanã inacabado.
Marcelo Barsa, o superchef do Cadeg, me convida pra comer ostras na peixaria do Posto Seis, dentro da pequena aldeia de pescadores à sombra do Forte de Copacabana. Após o susto com tamanha sofisticação, poder dispor dessas pérolas frescas vestido a rigor, de chinelos e sem camisa, acende a seta do meu GPS interno: Sim, Rio de Janeiro. Pra fechar o dia na Princesinha do Mar, atravesso a Paula Freitas mirando no bicheiro da esquina.
Na dúvida entre cercar a centena de um sonho revelador, escuto o grave do apontador: “Eu tenho um disco seu”... Com o troco, apostei na milhar do talão, deixei uma cerveja paga e, a pedido do malandro, solfejei alguns versos:
Brasil, tiras as flechas do peito do meu padroeiro
Que São Sebastião do Rio de Janeiro / Ainda pode se salvar!